Foto do arquivo pessoal do ex |
Manuel Teixeira, 42 anos, suicidou-se. João Silva, 41 anos, aguarda julgamento por homicídio. José Rodrigues, 45 anos, faz terapia de grupo. António Pereira, 51 anos, vive obcecado pelas "injustiças" e já pensou matar ou matar-se - convive desde 1963 com psiquiatras e tranquilizantes. Manuel, João, José e António têm em comum a Guerra Colonial e o medo dos seus medos. São casos à mostra dos cerca de 140 mil ex-combatentes portugueses atingidos pelo stress de guerra, essa doença camuflada numa espécie de clandestinidade.
"Doutora, vou-me matar!" A verdade é que só agora a ciência arranca buscando explicações inteligentes para o sofrimento destes homens, e a estatística oficial, para além de referenciar os 25 mil feridos e os 10 mil mortos directos da Guerra Colonial, pouco mais adianta.
Quem está por dentro do assunto garante a existência de vários casos de suicídio (dois no último ano, só na área do Porto) e muitos de homicídio com raiz no stress de guerra. E falam-me de desesperança de vida, que faz com que "muitos se vão embora aos 40 anos", e de alcoolismo, e de cirroses, e de droga, e dos divórcios, e de sem-abrigo, e do homem que em apenas um ano correu mais de cem empregos, e da falta de coragem da Nação para encarar e assumir as suas obrigações. O que tem sobrado é o silêncio.
Porque, para começar, como denuncia Paula Frazão, a psicólogo clínica, o Exército tem de admitir que, excepção feita às chamadas forças especiais, "a maior parte da tropa ia para a guerra, técnica e psicologimente, mal preparada, e muitos acidentes aconteceram por causa dessa má preparação".
Está clinicamente provado: o DPTS pode ser prevenido - e foi-o recentemente na Guerra do Golfo - se o soldados forem esclarecidos de que o medo e a ansiedade fazem parte da guerra, são situações normais, humanas, e não sinais de cobardia ou de doença mental. Além disso, o desenvolvimento de um DPTS crónico até pode ser evitado se o soldado, em plena fase aguda, for atendido próximo à frente de batalha, iniciando imediatamente os tratamentos e sendo mentalizado para a expectativa de retorno aos deveres normais e para a brevidade do contacto terapêutico.
Menos do que pensões, os traumatizados pela guerra reclamam atenção, atendimento, compreensão, apoio, tratamento. Há quem tema que, com o andar dos anos - porque a doença, não sendo tratada, tende a agravar-se -, os demónios de África venham a degradar inexoravelmente os restos de vida dos ex-combatentes envelhecidos. A Nação terá de estar preparada para o desmoronamento de toda uma geração...
Aos centros da ADFA chegam todos os dias, e cada vez mais, pedidos de socorro, lágrimas por uma "última tábua de salvação" para um filho, para um pai, para um marido, para um irmão, para um amigo. Gente à beira do abismo. O bom-dia que Paula Frazão ouve muitas vezes quando os seus doentes lhe entram no consultório é: "Doutora, vou-me matar!..."
P.S. - Escrevi em 1992 este exclusivo para a revista Grande Reportagem, então dirigida por Miguel Sousa Tavares. Foi, se não me engano, o primeiro trabalho jornalístico publicado em Portugal sobre o nosso stress de guerra. Vejo no DN que finalmente o País parece querer fazer alguma coisa...
Os nomes dos ex-combatentes são, aqui no Tarrenego!, fictícios.
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