terça-feira, 25 de abril de 2017

Feridas de guerra 8

Foto do arquivo pessoal do ex-pára-quedista fafense ÁLVARO MAGALHÃES

Manuel Teixeira, 42 anos, suicidou-se. João Silva, 41 anos, aguarda julgamento por homicídio. José Rodrigues, 45 anos, faz terapia de grupo. António Pereira, 51 anos, vive obcecado pelas "injustiças" e já pensou matar ou matar-se - convive desde 1963 com psiquiatras e tranquilizantes. Manuel, João, José e António têm em comum a Guerra Colonial e o medo dos seus medos. São casos à mostra dos cerca de 140 mil ex-combatentes portugueses atingidos pelo stress de guerra, essa doença camuflada numa espécie de clandestinidade.

Seis tentativas de suicído: a sétima foi fatal. A ideia do suicídio passou a ser natural, e era com naturalidade que Manuel falava de matar-se. Tentou cinco vezes com sobredoses de comprimidos e uma com "remédio" de escaravelho, antes da definitiva. Seguiam-se, cíclicas, as desintoxicações no Hospital de São João e os internamentos no Conde Ferreira.
Tão grave era a situação que, caso singular, deu-lhe direito a pensão por incapacidade - o que, nos últimos quatro anos, viria a agravar a confusão no espírito de Manuel Teixeira. A cisma agora eram os sessenta e sete contos e setencentos escudos com que a Nação de desobrigava mensalmente pelo mal que lhe fizera. Manuel achava que a tença era "um roubo ao Estado". Aflito, temia pela chegada da GNR para o levar preso "por receber uma reforma que de certeza não era para ele"...
A 2 de Maio de 1990 terminou com tudo. Ingeriu o conteúdo de uma embalagem de "remédio" de escaravelho, lançou fora o recipiente e deitou-se calmente, como tantas vezes tinha avisado, à espera da morte. Que veio. No guarda-fatos o ex-combatente escondia mais quatro embalagens de veneno, pelo sim e pelo não...

Outras vezes a violência chama-se homicído. Poderá ser o caso de João Silva, ex-comando de 41 anos, que em Campanhã, Porto, na madrugada de 8 de Setembro de 1991, resolveu a tiro de pistola o seu diferendo com a vida, matando, num acerto de contas, um indivíduo de 42 anos.
João entregou-se à Polícia e confessou o crime. Está na cadeia de Custóias, aguardando julgamento. Diz quem o conhece que também ele deixou muito mais na guerra do que a perna que lá perdeu e que lhe garante o direito a pensão. E afirmam os estudiosos que os feridos na alma, convivas naturais de armas, sangue e morte, guardam causas para reacções extremas fora do entendimento comum.

(Continua)

P.S. - Escrevi em 1992 este exclusivo para a revista Grande Reportagem, então dirigida por Miguel Sousa Tavares. Foi, se não me engano, o primeiro trabalho jornalístico publicado em Portugal sobre o nosso stress de guerra. Vejo no DN que finalmente o País parece querer fazer alguma coisa...
Os nomes dos ex-combatentes são, aqui no Tarrenego!, fictícios.

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