terça-feira, 2 de agosto de 2016

Genolino Amado

Certa ocasião quase aderi à desavença do velho Campos. Foi naquele dia em que o maldoso Colombo me atrapalhou na Escola e até fez perigar a salvação de um inocente.
O inocente pertencia a um grupo de assustados guarda-livros sem diploma profissional. Assustados porque lei ou decreto, que finalmente se cumpria, lhes impôs a escolha cruel: ou provas de habilitação ou perder o meio de vida. Porque mantinha curso oficial de comércio, ficou a Amaro com a incumbência dos exames. E que exames! Além de escrituração mercantil e segredos contábeis, incluíam matérias ginasiais.
Assim, ao sobradinho das meninas foram comparecendo, bem nervosos, examinandos grisalhos, de pouco saber e muitas rugas. Alguns, gorduchões, se espremeriam nas carteiras das pequenas. Carteiras iguais às das suas filhas, ou talvez das netas, noutra escola qualquer.
Veio a designação dos examinadores. Dois em cada banca. Eu, com o Professor Balbino de companheiro na de História e Geografia. Afinal, uma reunião dos mestres indicados. E parecendo exprimir a idéia de todos, o bom Professor Milton:
Precisamos facilitar de qualquer forma os coitados. Na fisionomia deles a gente vê a angústia. Tem anos e anos de serviço, com os empregadores satisfeitos. É o que atesta de sobra a sua competência e dedicação. Melhor do que um diploma de guarda-livros. Nas provas da Amaro, exigir muito, mesmo pouco, seria demais. Assim penso. E vocês, colegas?
Vozes e vozes de apoio. Só Balbino é que não piou: Mas quem cala consente concluí, confiante. E a confiança cresceu porque alguém:
Que tal reduzirmos o número de pontos? Bastariam dez... Que acham?
De acordo falou Balbino, iniciando as adesões.
Ufa! Tirei um peso da consciência. Se Balbino, o rigor em pessoa, concordava, a coisa ia bem. Peguei o pião na unha:
Perfeito, colega. Em nosso caso, cinco pontos de Geografia e cinco de História.
Não, não! Pelo que entendi, têm de ser dez por matéria.
Milton socorreu-me.
Entendeu mal, Balbino. Dez por banca. É uma só a de História e Geografia. Seu companheiro está certo.
Um bom sofisma... que não pegou. Argumenta daqui, argumenta dali, afinal conciliação à maneira getuliana: dez de Geografia balbínica, cinco de História genolínica. E História a começar dos tempos modernos. O homem aceitou de cara feia. Foi então que um dos facilitadores:
Vocês discutiram à toa. Que importam dez ou cinco pontos? Ninguém será reprovado...

"O Reino Perdido",  Genolino Amado

(Genolino Amado nasceu no dia 3 de Agosto de 1902. Morreu em 1989.)

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