As árvores acendem-se, tremeluzem como se estivessem bêbadas, e é o que
ouço na rua às pessoas que comem palavras, ainda que palavras pequenas,
palavras ínfimas, as pessoas comem o artigo definido à falta de alimento
substantivo, comem migalhas, palavras de uma letra só porque a fome é
tanta e tudo o que vem à rede é peixe, e mais vale comer palavras, ainda
que resumidas e insossas, do que não comer nada ou comer merda com
chantili. Ouço:
- Então, se não voltar a ver, um bom Natal e feliz ano novo...
- Para si também, se não voltar a ver, um Natal feliz e muitas prosperidades...
P.S. - Cegos era o que se chamava antigamente aos invisuais de hoje em
dia. Os invisuais de hoje em dia vêem muito melhor do que os cegos de
antigamente, e têm muito mais classe, têm diploma de invisuais, olha o
respeitinho. Gosto da volta que os nossos aforismos também levaram
derivado à modernidade e ao decoro: o maior invisual é aquele que se
recusa a vislumbrar; ou: em terra de invisuais quem tem um globo ocular
em satisfatórias condições de funcionamento é presidente da república. É
a badalhoca da semântica, mãe de todos os eufemismos, que vai para a
cama com qualquer e dá para os três lados. Havia também os moucos ou
surdos - serão agora chamados insonoros, para que ninguém se melindre ou
ofenda. E é o que eu digo: a palavras loucas, orelhas insonoras.
(Texto escrito e publicado originalmente no dia 18 de Dezembro de 2014)
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