Rói as unhas no momento em que abro a porta, a bolsa comprimida contra
os seios. Como sempre, penso, ao deixá-la passar, cabeça baixa, para
sentar-se no mesmo lugar, segundas e quintas, dezessete horas: como
sempre. Fecho a porta, caminho até a poltrona à sua frente, sento, cruzo
as pernas, tendo antes o cuidado de suspender as calças para que não se
formem aquelas desagradáveis bolsas nos joelhos. Espero algum tempo.
Ela não diz nada. Parece olhar fixamente as minhas meias. Tiro devagar
os cigarros do bolso esquerdo do paletó, apanho um com a ponta dos
dedos, sem tirar o maço do bolso, e fico batendo o filtro no braço da
poltrona enquanto procuro o isqueiro no bolso pequeno da calça. Antes de
acendê-lo, penso mais uma vez que não deveria usar esses isqueiros
plásticos descartáveis. Alguém me disse que não-são-degradá. Não consigo
lembrar quem, quando, nem onde ou por quê. Rodo o isqueiro maligno
entre os dedos, depois acendo o cigarro. Então ela diz:
- Desculpe, mas acho que você está com as meias trocadas.
Geralmente
um cigarro dura entre cinco e dez minutos. Como eu, para
tranqüilizá-la, tento gastar o máximo de tempo possível fazendo coisas
como fechar a porta, puxar as calças, pensar em isqueiros e ecologias,
quase sempre ela fala somente quando termino o primeiro cigarro. Quase
sempre depois que pergunto, com extremo cuidado, no que está pensando.
Só então ela suspira, ergue os olhos, me olha de frente. Desta vez,
porém, não suspira ao falar nas meias. Penso em dizer que acordei um
pouco tarde demais, razoavelmente atrasado, e que. Mas prefiro perguntar
lento:
- E isso te incomoda?
Ela contrai os ombros, de
maneira que sobem até quase a altura das orelhas. Depois solta-os
devagar, curvando-os para trás, convexos, como se fizesse uma massagem
em si mesma:
- Não é que incomode, só que. Olha, para falar a verdade eu não me importo nem um pouco com as suas meias.
[...]
"Pêra, Uva ou Maçã", "Morangos Mofados", Caio Fernando Abreu
(Caio Fernando Abreu nasceu no dia 12 de Setembro de 1948. Morreu em 1996.)
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