domingo, 6 de abril de 2014

As chancas estão de volta (a 69 euros e cinquenta)

Foto Hernâni Von Doellinger

As chancas eram de pobres. E de choro e ranho em casa, ó mãe eu tenho vergonha de ir para a escola, quero uns sapatos como os outros meninos. Efectivamente, os meninos ricos tinham sapatos, botas e sandálias, consoante a estação do ano no tempo em que havia estações do ano, e os paizinhos dos meninos ricos, depois de razoavelmente gastos os sapatos, as botas e as sandálias, vendiam o calçado aos pais dos pobres. Vendiam. Na minha terra, os paizinhos dos meninos ricos eram muito ricos e muito da religião e da missinha e das procissões e vicentinos, mas vendiam - não davam. Vendiam. Se calhar por isso é que eram ricos. Quem dá aos pobres empresta a Deus, quem vende aos pobres é que se safa. Alguns safaram-se, amém.

Chancas é calçado de pau, valha-me Deus! E no entanto chancas era bom. Porque abaixo de chancas eram socos e abaixo de socos era descalço. Sim, descalço. Andava-se descalço no Portugal pré-25 de Abril, tal qual como agora nos querem. Não é suspeito que se tenham deitado ao lixo estes 40 anos certos?
Mas, perdi-me, era apenas para dizer isto: as chancas, exactamente como as galochas, estão na moda. Suponho que os netos, as netas, os bisnetos e as bisnetas dos ricos da minha terra correm todos a comprar chancas. Anacrónicos por maldição, os pobres da minha terra calçam sapatinho dirópito - e choram. E eu só me dá para rir.

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