segunda-feira, 14 de abril de 2014

Fernando Namora 2

Do alto das furnas via-se o burgo dormindo; uma névoa de Primavera, fria, engelhava as casas e o arvoredo. Era dia santo, com feira no Salgueiral. Tinha de se partir cedo, dando tempo à mula para arrastar a velhice e vencer os solavancos do caminho, a subida da serra escalvada, onde a urze e os corvos vigiavam a solidão.
Ainda chegariam à vila com o nariz arroxeado da geada. Apetecia encostar a cabeça nos xailes e adormecer ao embalo penoso e lento do carro. O patrão segurava as rédeas com moleza, descaindo a cabeça a cada ressalto das rodas, olhar fixo na estrada, a pensar sabia-se lá em quê. Não se lhe arrancava uma palavra. Abílio levara oito dias a moê-lo com o aceno de uma boa feira no Salgueiral - e ele ouvia, ouvia de olhos e ouvidos ensonados, até que, repuxando o cinto à altura das virilhas, como nos momentos das decisões arriscadas, acedera:
- Vamos lá então.

"Casa da Malta", Fernando Namora

(Fernando Namora nasceu no dia 15 de Abril de 1919. Morreu em 1989.) 

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