Todas
as manhãs o homem e o cão passeiam pela praia, naquela incerta linha de
sobe e desce onde o mar enrola na areia e acaba Portugal. Par pândego,
haviam de ver. O homem atira a bola de ténis e o cão, dez-réis de cão,
rasteirinho e de raça que não sei, corre e salta, como uma bala, como
uma mola, abocanhando-a, à bola, ainda no ar. Cão danado para a
brincadeira. E habilidoso. "Bem, muito bem, espectáculo!", diz o homem. E
o cão regressa e larga a bola, e corre e salta à volta do homem, e
ladra no verdadeiro ladrar que não morde, e abana o rabo, abana, que
quer dizer "Obrigado, estou muito contente, mais, quero mais!...", e põe a
língua de fora, que quer dizer "Ainda havemos de fazer isto ao
contrário".
Um
quadro enternecedor. Homem e cão, numa simbiose perfeita. O amigo dos
animais e o melhor amigo do homem. Fossem eles polícias, o homem e o cão
da bola de ténis, matinais frequentadores de oceanos, e estaríamos na presença de um binómio exemplar e
definitivo. Decerto já viram nas notícias: binómio é um polícia e um cão
que são colegas de trabalho. Já um carteiro e um cão são um perónio. Um
perónio partido e o fundilho das calças esgaçado.
Todas
as manhãs, portanto. Eu também por ali ando comigo pela trela e por
isso é que sei o que estou a contar. Ontem desatei a rir com o raio do
cão, que realmente tem jeito, parece do circo o lingrinhas. Entre uma acrobacia e outra, o cão tendia a enfiar-se na água, coisa de cão certamente, e o homem dizia
"Sai daí, Rex, anda cá, Rex, já vais levar, Rex!...", nem de propósito Rex,
eu seja cão se estou a inventar. O homem, que tomara nota do meu riso,
resolveu pôr-me ao corrente, "É todos os dias a mesma merda, ele gosta, o
caralho do cão mete-se no mar e eu depois é que tenho de lhe dar banho,
secar e escovar, trabalho filho da puta, olha, lá vai ele outra vez, ó
corno!, fode-me sempre..."
O
cão resolveu apanhar a última, mas sem boca. Estava-se a armar para
mim. Dominou a bola com o peito e, sem deixar cair, rematou em grande
estilo e foi golo, palavra de honra que foi golo. Depois colocou o
açaime ao homem e levou-o para casa.
P.S. - Publicado originalmente no dia 2 de Junho de 2013, sob o título "O homem e o cão (e vice-versa)".
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