domingo, 13 de setembro de 2020
Crónica Feminina
Vieram as calças, e ela nada. Os movimentos
libertários, o divórcio, o voto, a canasta, os empregos, os carros, os
cigarros, as gravatas, os sapatos de salto baixo e os sapatões também
vieram, e ela nada. Em casa, sempre em casa, de uma virgindade absoluta
em relação ao amantíssimo esposo e demais, bordava, falava francês e
tocava piano. E dava alpista ao canário. E regava os vasinhos, ela
própria um flor de estufa. Muito cor-de-rosa, muita renda na roupa
interior que só ela sabia, muito tafetá, muitos lacinhos e
sabonetinhos. Queimou uma vez um sutiã, é verdade, mas foi sem querer,
passando a ferro, quando a serviçal lhe faltou. Tirando isso, nada.
Parecia doença. Crónica. As vizinhas, que nem lhe conheciam o nome, chamavam-lhe, por graça, Crónica Feminina.
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