Eu trabalhava num jornal que tinha uma revista de fim-de-semana muito dada àqueles rankings
da treta que só servem para meter as fotografias dos "famosos" no júri
de faz de conta. Eu trabalhava no Porto e o jornal era chefiado a partir
de Lisboa. Uma vez o assunto devia ser música, já não me lembro, e
pedi a ajuda do Luís Filipe Barros. "Luís Filipe quê?..." - disse o meu
chefe, especialista em Big Brother. "Luís quê? Quem é esse gajo? Não arranjas
ninguém conhecido?..."
Passou-se o mesmo com o Tozé Brito, que o
meu chefe (outro)
também não fazia ideia de quem fosse: "Esse tipo jogou onde? O que é que
ele percebe de música?...", atirou-me, com aquele risinho telefónico e
condescendente tão próprio dos sábios de Lisboa. Pouco tempo depois (e nem digo que tenha
sido por causa de eu lhe ter sacudido o pó), Tozé Brito foi para
jurado num programa de televisão e o jornal onde eu trabalhava nunca
mais lhe largou a braguilha. Até fechar. O jornal.
Outra vez havia cá em cima uma iniciativa qualquer relacionada com cartunes
e política, algo do género. Eu tentava convencer Lisboa para o
interesse da coisa e agarrei-me a este argumento de peso: a obra do
grande Sam era o destaque do evento. "Qual Sam?", inquiriu o chefe de
serviço, com o
fastio de quem tem mais que fazer do que estar outra vez a ensinar-me o
que é notícia e o que não é notícia. "Então, pá, o Sam, o famoso
cartunista, o Sam
do Guarda Ricardo, pá, estás farto de saber, não estás?, o Sam...",
respondi-lhe eu, já mais perto do que longe de o mandar à merda.
A
palavra "famoso" fazia milagres naquele jornal. "Ok. Vai lá então e
aproveita para entrevistar o gajo, o Sam", decidiu finalmente o chefe.
Estive para lhe dizer que sim, que era o que eles gostavam de ouvir, mas
resolvi contar-lhe a verdade: "Esta se calhar é mesmo impossível, pá. O
Sam já morreu há uns anitos. Mas a culpa não foi da redacção do
Porto, palavra de honra".
Aquela rapaziada era assim, profissionais formidavelmente
informados. Estão hoje todos muito bem colocados nas redacções da
capital. São chefes e fazem por isso. Deus os abençoe e lhes dê muito
dinheiro.
P.S. Publicado originalmente no dia 21 de Fevereiro de 2012. O jornal 24horas
nasceu em 1998 e morreu em 2010, um ano depois de os seus alegados
responsáveis terem liquidado a Redacção do Porto, a sangue frio e pelas
costas. Eram os primeiros dias de Maio quando nos despejaram no
desemprego, e podem limpar as mãos à parede. Mas tinha piada o pasquim,
que até chegou a ser bem feito, e é a bíblia do jornalismo que hoje se
faz em Portugal.
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