A sala clareou de jato e a luz forte do gás, esbatendo-se no jardim, como que ainda mais lhe adensou as sombras crepusculares. Cesário passou a mão pela calva e, espreguiçando-se, bocejou estrondosamente:
- Diabo! Estou com uma famosa courbature. Dobrou-se para trás, com as mãos nos rins e, firmando-se, estendeu o braço para a chama loura do gás: Bem andou Jeová criando a luz antes de mais nada. Entanto há na sua grande obra alguma coisa anterior ao Fiat... a avareza, por exemplo... que dizes? Essa claridade entra-nos pelos olhos e vai até o mais fundo do cérebro como o sol atravessando os vidros de uma claraboia. E ainda há luz lá fora.
Lançou o olhar ao exterior e, voltando-se:
- Dize, que tal achas o pensamento que um dia procurei apertar em um soneto? e avançando com grandes gestos dramáticos, foi até a porta e levantou os olhos para o céu de opala: Ouve lá, não está em metro ainda. Digo-te a coisa como a recebi do gênio. A cena do soneto simples, tristonha: um crepúsculo. Eu digo então: Expira o sol! e atirou o braço esticado para o teto. Expira o sol... e Deus!... arma no céu um catafalco: a noite, trazendo para cirial do morto o plenilúnio. Que te parece? indagou e, fitando-o com grandes olhos: Mas que tens, homem? Estou aqui a falar-te como Apuleio aos bárbaros. Que tens? Jorge caminhava ao longo da sala, de mãos para as costas, parando, de instante a instante, para ouvir o "filósofo". Que tens?
"Inverno em Flor", Coelho Neto
(Coelho Neto nasceu no dia 21 de Fevereiro de 1864. Morreu em 1934.)
(Coelho Neto nasceu no dia 21 de Fevereiro de 1864. Morreu em 1934.)
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