E dizendo, curvou a cabeça, estirou as pernas e descalçou-se. As meias arrendadas, cor-de-rosa, saíram com os atilhos em dois safanões e foram atiradas à carlinga do mastro. Em outro gesto rápido achinelaram-se os sapatos de fino cordovão. Jana ergueu a cabeça e sorrindo, com desprendimento, passou as mãos pelas orelhas, tirou as argolas e deu-as a Joel, dizendo:
- Guarde no bolso.
Enquanto ele obedecia, ela deu-lhe as costas, sempre sentada na caixa, viu o rapazote à proa, encolhido, espiando a terra fronteira, e ordenou a Joel:
- Olhe pra lá.
Começou a despir o casaco branco enfeitado de rendas: pôs-se de pé e equilibrando o corpo, desceu o nó da cintura, e a saia de caxemira azul foi ter ao banco da canoa. O vestido velho inteiriço cobriu-lhe a seminudez, caindo depressa sobre a camisa e a anágua.
Tudo isso se fez expeditamente. Jana sentou-se então e falou para o companheiro:
- Olhe agora.
O pescador riu-se da mutação. Mas ainda restava um luxo indigno da ilhoa que regressava, contente, a sua barbaria. Com ambas as mãos ela tateou a belbutina do cabelo, safou-a, desfez o laço, e com um riso de galhofa um tanto cruel, segurou-a nas pontas dos dedos. Quando a refrega passou, a fita encarnada foi coleando nos ares, vaiada pelo riso dos dois, até que esmoreceu o vento e o mar aceitou-a.
Jana mudou logo de feições. Sua alegria concentrou-se. O menino da prosa acabara de gritar:
- Ponta de Nossa Senhora.
"Jana e Joel", Xavier Marques
(Xavier Marques nasceu no dia 3 de Dezembro de 1861. Morreu em 1942.)
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