Que é da magia do circo?
Circo que é circo tem nome de circo. Ponto. Nome com pozinhos de
perlimpimpim, nomes exóticos, inventados à la minuta, nomes de fazer
sonhar. Nomes à antiga: Arena, Brasil, Cardinali, Circolândia, Chen,
Cristal, Dallas,
Dragon, Eddy, Flic Flac, Império, Leunam, Luftman, Mundial,
Nederland, Nery Brothers, Oceanika, Soledad, Romero, Torralvo ou
Twister. Ou Circo Royal, com Pierre Ivanoff e os seus leões da
Abissínia, ou o meu melhor circo do mundo, Circo Merito, que ia a
Fafe todos os anos, sem animais acima de cão, mas com um incrível
número de transmissão de pensamento operado pelo senhor Merito em pessoa
e sua partenaire, e sobretudo uns palhaços como nunca mais ri na
minha vida e que contavam sempre a anedota de que a nossa era a única
terra onde dormiam dezoito numa cama: o meu avô da Bomba, que era o 17, mais a minha avó. O meu avô afinava e eu achava um piadão.
O
senhor Merito, que também era mestre-de-cerimónias do
es-tra-or-di-ná-ri-ooo... ex-pe-ctá-cu-looo!!!..., padecia de uns óculos
com lentes verdes de fundo de garrafa Carvalhelhos versão 1960, que,
aos meus olhos infantis e crentes, justificavam à partida os poderes
adivinhatórios de que ele estava evidentemente investido.
Coisas de outro mundo. No circo
aprendi palavras sen-sa-ci-o-nais, que gostava de ouvir e de dizer e
não sabia o que significavam: funambulista, malabarista, contorcionista,
equilibrista, acrobata voador, faquir, trapezista, pirofagista,
globista, faquista, mais engolidor de espadas, palhaço e ilusionista -
estas três eu ia lá -, e que hoje percebo que todas são afinal meros
adereços ou adjectivos para outra palavra do léxico circense que é a
palavra... político.
Agora? Agora andam por aí circos com nomes paisanos, insossos, e a magia foi um ar que se lhe deu. Nomes de linha média em quatro-quatro-dois losango: Rúben, Cláudio, Leandro e Walter Dias. Nomes do dia-a-dia,
corriqueiros, sem pés nem cabeça, como se fossem nomes de talhos ou
retrosarias. Como se fossem: o Circo Almeida, o Circo Brochado, o Circo
Ferreira, o Circo Gomes, o Circo Lopes, o Circo Magalhães, o Circo
Santos. O Circo Celso. Sem o glamour de um Tony, sem o garbo de
um Fredy, sem as lantejoulas de uma Nandy nem as meias de rede de uma
Mirita no seu rola-rola, ainda que rotas, porque no circo é importante
trabalhar com rede, posto que sem fio, portanto Wi-Fi.
E ainda haverá palhaços excêntricos musicais? E a profissão está
devidamente reconhecida e enquadrada? Tem ordem? Carteira profissional?
Era um deslumbramento vivermos -
digo bem, vivermos - de coração aos saltos e mãos a tapar os olhos, o perigosíssimo trabalho daqueles artistas cheios de
is gregos e cabelo empastado, artistas in-terrr-na-ci-o-nais de Ermesinde e
Freamunde - Cuidado, Dany, cuidado! Respeitável
público, silêncio, o mais completo silêncio, por favor, peço o silêncio
dos senhores ex-pe-cta-do-reeesss... Vamos, Dany, cuidado, upa, ealé, bravo,
bravo, Dany, bravo!...
O sítio do circo em Fafe era na Feira Velha. Quando, por artes mágicas, a Câmara se transformou em mercearia, meteu lá carros à hora e é uma tristeza.
O circo era o melhor faz-de-conta de todos os tempos! O famoso Pierre Ivanoff chamava-se Pedro Piloña
Reina e era um espanhol de Valência nascido em Casablanca, Marrocos. Na
jaula, com os leões, vestia de tribuno romano que eu sabia dos filmes - e ficou-me até hoje. Tinha eu se calhar sete anos quando o Pedro, aliás Pierre, desafiou o meu pai, saxofonista, a fazer-se ao mundo a bordo da orquestra do Circo Royal, mas o meu pai não foi. Foi para mim um desgosto muito grande, que já me via palhaço, a morar na rulote, a faltar à escola e a rasgar completamente as meias de rede da Mirita...
Eu queria ser palhaço, mas palhaço completamente
Sonhava-me no circo, não do lado cómodo do público, mas no centro
das atenções, no lado cómico, de nariz vermelho, cara pintada e sapatos
de metro, a inventar alegria para os outros. E para mim. Sim, alegria
para mim. Porque eu sempre quis ser palhaço. Melhor dizendo: quando eu
era pequeno, primeiro queria ser grande. E quando fosse grande queria
ser palhaço, maquinista de comboio, famoso, padre, polícia à paisana,
pianista, advogado, jornalista, actor, bombeiro, jogador de futebol,
tarzan, presidente da república, terrorista, papa, escritor, herói,
cantor, ciclista, santo e piloto de avião de guerra. Já há muito que sou
grande e, francamente, sou tarzan e é um pau. Sou tarzan como a maioria
dos portugueses: estamos de tanga e isso é indesmentível, somos
portanto tarzões.
Mas palhaço é que era! Alguns amigos, lisonjeiros, dizem-me
que eu às vezes até sou um bocado palhaço. Por outro lado, alguns filhos da mãe que não me
gramam acusam-me de eu às vezes ser um bocado palhaço. Palavra de
honra, às vezes e um bocado não me chega: eu queria ser palhaço, mas
palhaço completamente.
O grande prestidigitador
Era um mágico excepcional: em vez de coelhos da cartola, tirava macacos do nariz.
Um coelho extraordinário
Era um coelho realmente incrível. Tirava ilusionistas da cartola...
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