sábado, 8 de dezembro de 2018

Em palhas deitado 12

O reino dos céus por uma mobília de sala de jantar
Andam aos pares, como o Senhor mandou para a arca, e vê-se logo que são boas pessoas. Missionam a bom missionar, de porta em porta, no meio da rua, sujeitam-se a malcriadezas em nome da fé que têm para dar e vender, e dou-lhes valor por isso. Um par interpelou-me um destes dias, ali em baixo, no passeio à beira-mar onde às vezes montam banca:
- Um minutinho, por favor, já pensou no que lhe acontecerá quando morrer? E porque morremos? Não quer saber a verdade acerca da morte?
Eu, que achei a abordagem um bocado desajeitada e tétrica, desnecessariamente radical, resolvi dar-lhes uma ajuda, recentrando o assunto:
- Não é nada da morte que me querem falar, pois não? A morte até poderia ser um bom princípio, em termos de marketing, de aproximação tablóide à clientela, quero dizer, mas vocês querem é falar-me da vossa Igreja, querem converter-me à vossa Igreja, querem anunciar-me Deus, o único verdadeiro, Jeová, é ou não é?
Era.
- Então, em verdade vos digo, assim será feito - disse eu, com voz de sarça ardente ditando leis -, ouço-vos, vocês falam-me da vossa Igreja e de Jeová, mas só se também me derem tempo de antena para eu vos falar de uma mobília de sala de jantar muito jeitosa que tenho para vender.
- Mas para que queremos nós ouvi-lo falar acerca da mobília de sala de jantar, se temos uma praticamente nova, estamos tão bem servidos e não precisamos de mudar? - respondeu o par em coro e percebi logo que, para além de par, formava também casal.
A resposta era mesmo a que me calhava, portanto sentenciei:
- Pois, caríssimos irmãos, eu e Deus é a mesma coisa: já tenho um e estou muito contente com Ele. Vou agora trocar, porquê? E amém.

Eu sei que fui (sou) um bocado parvo. Mas correu bem. Vendi-lhes duas mobílias de sala de jantar.

Sobreviventes do fim do mundo (a falácia)
Gosto daqueles filmes da moda que contam o fim do mundo, os diversos modelos de fim do mundo, e a luta heróica dos sobreviventes. Catástrofes de proporções apocalípticas, cenários dantescos, a estrada da morte, o-drama-a-tragédia-o-horror. O planeta desaparece e, no seu regenerador desaparecimento, traz à tona os melhores dos melhores de todos nós, americanos por certo. O pai-herói, a mãe-coragem, o bebé-milagre, o Sepúlveda-Taberneiro, de quem ninguém sabia há mais de quarenta anos, desde que pôs os cornos à mulher no Sabugal e fugiu com a espanhola. Para a América. Dão bons títulos nos jornais.
Estes filmes fazem-me acreditar na redenção da humanidade. Os sobreviventes são a esperança num futuro melhor. Espera... - mas qual futuro e quais sobreviventes? Se o mundo acabou, como é que há sobreviventes?...

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