Os jornais eram invadidos por um exotismo com foros de arte, formas deturpadas, uma literatura com ossos desengonçados, um polichinelismo de ideias catadas por sede de nomeada, uma literatura decadente numa terra ainda sem literatura, um chinesismo na prosa, na poesia, a alma esquecida pelo termo difícil, uma arte de ignorantes que tem horror aos clássicos... E essa boémia sem pão, sem família, com colarinhos de borracha e roupa suja, propunha escolas, queria dar-se ao sério, falando em Papus e Pelladan, sonhando com Baudelaire depois das bebedeiras, debaixo das mesas de casas de iscas. Uma garotada de assobio que malandra às portas do Londres e Café do Rio, cubiçosa, imprestável, sempre de dentes à mostra... Quanta doença a precisar de cura, quanta calúnia a precisar chicote, quanto vagabundo a precisar trabalho!...
E Edmundo começava então a compreender o eterno ar sarcástico de Bilac, o seu rolar de olhos estrábicos e encolher de ombros, quando se lhe falava em arte, a ele, que era um artista...
Levantou-se da mesa, tossindo mais forte, e pôs-se a cruzar o quarto em largos passos, rilhando entre dentes: "Ah!, sim, a literatura, a literatura..." E pensava nos novos, de leve, com medo de ferir-se, e bocejava, com o seu sorriso doente: "Os novos! Ah!, os novos!..." Mas logo uma grande simpatia o invadiu. Havia nomes que aconchegava com amor e respeito ao coração. As suas predilecções literárias abriram ante ele as suas páginas, e, como o seu fundo ingénuo e simples não lhe notava defeitos, entregava-lhes inteira, sem reservas, a sua admiração, com uma falta de critério perdoável aos seus vinte e um anos entusiastas e bons, a quem a desgraça dera, é verdade, um amargo travo, que se traduzia em antipatias sem razão, à toa, e ódios profundos, raivas surdas, mas que, apesar de tudo, à parte esta ração de bílis, era de uma dedicação bondosa e sincera, leal como uma espada...
"A Mulata", Carlos Malheiro Dias
(Carlos Malheiro Dias nasceu no dia 13 de Agosto de 1875. Morreu em 1941.)
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