terça-feira, 6 de junho de 2017

Tobias Barreto 3

O beija-flor

Era uma moça franzina,
Bela visão matutina
Daquelas que é raro ver.
Corpo esbelto, colo erguido,
Molhando o branco vestido
No orvalho do amanhecer.

Vede-a lá: tímida, esquiva...
Que boca! é a flor mais viva
Que agora está no jardim,
Mordendo a polpa dos lábios
Como quem suga o ressábio
Dos beijos de um querubim!

Nem viu que as auras gemeram
E os ramos estremeceram
Quando um pouco ali se ergueu...
Nos alvos dentes, viçosa,
Parte o talo de uma rosa
Que docemente colheu.

E a fresca rosa orvalhada,
Que contrasta descorada
Do seu rosto a nívea tez,
Beijando as mãozinhas suas
Parece que diz: nós duas!...
E a brisa emenda: nós três!...

Vai nesse andar descuidoso,
Quando um beija-flor teimoso
Brincar entre os galhos vem,
Sente o aroma da donzela,
Peneira na face dela,
E quer-lhe os lábios também.

Treme a virgem de surpresa,
Leva do braço em defesa,
Vai com o braço a flor da mão.
Nas asas da ave mimosa
Quebra-se a flor melindrosa,
Que rola esparsa no chão.

Não sei o que a virgem fala,
Que abre o peito e mais trescala
Do trescalar de uma flor.
Voa em cima o passarinho...
Vai já tocando o biquinho
Nos beiços de rubra cor.

A moça, que se envergonha
De correr, meio risonha
Procura se desviar.
Neste empenho os seios ambos
Deixa ver: inconhos jambos
De algum celeste pomar!...

Forte luta, luta incrível
Por um beijo! É impossível
Dizer tudo o que se deu.
Tanta coisa, que se esquece
Na vida! Mas me parece
Que o passarinho venceu!...

Conheço a moça franzina
Que a fronte cândida inclina
Ao sopro de casto amor.
Seu rosto fica mais lindo
Quando ela conta sorrindo
A história do beija-flor. 

Tobias Barreto

(Tobias Barreto nasceu no dia 7 de Junho de 1839. Morreu em 1889.)

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