Foto Hernâni Von Doellinger |
O homem e o cão (e vice-versa)
Todas as manhãs o homem e o cão passeiam pela praia, naquela incerta linha de sobe e desce onde o mar enrola na areia e acaba Portugal. Par pândego, haviam de ver. O homem atira a bola de ténis e o cão, dez-réis de cão, rasteirinho e de raça que não sei, corre e salta, como uma bala, como uma mola, abocanhando-a, à bola, ainda no ar. Cão danado para a brincadeira. E habilidoso. "Bem, muito bem, espectáculo", diz o homem. E o cão regressa e larga a bola, e corre e salta à volta do homem, e ladra no verdadeiro ladrar que não morde, e abana o rabo, abana, que quer dizer "Obrigado, estou muito contente, mais, quero mais", e põe a língua de fora, que quer dizer "Ainda havemos de fazer isto ao contrário".
Um quadro enternecedor. Homem e cão, numa simbiose perfeita. O amigo dos animais e o melhor amigo do homem. Fossem eles polícias, o homem e o cão da bola de ténis, e estaríamos na presença de um binómio exemplar e definitivo. Decerto já viram nas notícias: binómio é um polícia e um cão que são colegas de trabalho. Já um carteiro e um cão são um perónio. Um perónio partido e o fundilho das calças esgaçado.
Todas as manhãs, portanto. Eu também por ali ando comigo pela trela e por isso é que sei o que estou a contar. Ontem desatei a rir com o raio do cão, que realmente tem jeito, parece do circo o lingrinhas. (Não é que isto interesse, mas fez-me lembrar o Kelvin, o outro brinca-na-areia, e se calhar por isso é que me ri). Entre uma acrobacia e outra, o cão tendia a enfiar-se na água, coisa de cão certamente, e o homem dizia "Sai daí, Rex, anda cá, Rex, já vais levar, Rex", nem de propósito Rex, eu seja cão se estou a inventar. O homem, que tomara nota do meu riso, resolveu pôr-me ao corrente, "É todos os dias a mesma merda, ele gosta, o caralho do cão mete-se no mar e eu depois é que tenho de lhe dar banho, secar e escovar, trabalho filho da puta, olha, lá vai ele outra vez, ó corno!, fode-me sempre..."
O cão resolveu apanhar a última, mas sem boca. Estava-se a armar para mim. Dominou a bola com o peito e, sem deixar cair, rematou em grande estilo e foi golo, palavra de honra que foi golo. Depois colocou o açaime ao homem e levou-o para casa.
Elas e os "maridos"
Andavam as duas, como eu, a solhar no passeio marginal de Matosinhos, que deve ter custado um dinheirão e está mais perigoso do que picada africana em tempo de guerra. Elas falavam e falavam e falavam, como só elas sabem falar, as duas ao mesmo tempo e a uma velocidade que as suas curtas pernas não conseguiam acompanhar. Têm as línguas muito mais compridas e ginasticadas. Eu, que sou mais alto, olhava para o chão cheio de cuidado, a ver onde punha os pés, para não acabar no hospital, e elas falavam, falavam, falavam. Falavam de despesas, de compras, de casa, dos filhos e dos cães, da crise, de dinheiro mal gasto e de dinheiro bem gasto.
Até que a voz de uma se sobrepôs à voz da outra e eu ouvi claramente ouvido: "Sabes que não se pode dizer tudo aos maridos". Foda-se!..., disse eu mais do que pensei, como se tivesse sido atingido por um raio que as parta. Será possível? Elas não contam tudo aos maridos? Terei sido e andado enganado durante estes anos todos, mais de trinta? Não pode ser, eu não sou assim tão ingénuo. As mulheres não dizem tudo aos maridos? Deixa estar, que até vou perguntar à minha quando chegar a casa...
Se EU não fosse bem educado, diria FONIX...!!!
ResponderEliminarNão,não me refiro ao cão!