segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Júlio Dinis 4

Por uma manhã de Setembro, límpida e serena, como às vezes são na nossa terra as manhãs do Outono, Jorge saiu a pé, a passear pelos campos. Errou ao acaso por bouças e tapadas, seguiu a estreita vereda a custo cedida ao trânsito pela sôfrega cultura nas terras marginais do pequeno rio da aldeia. Depois, subindo a uma eminência, parou a contemplar do alto o aspecto do feracíssimo vale, que suavemente se lhe abatia aos pés, e no fundo do qual se erguia, dentre veigas e pomares, a Herdade, de que já falámos.
Jorge sentou-se sobre uma dessas enormes moles de granito que se encontram com frequência em certos lugares da província, soltas pelos montes, como se fossem roladas para ali em remotas eras por mãos de fundibulários gigantes, empenhados em encarniçada luta. Os olhos dirigiram-se-lhe instintivamente para a Herdade, onde se fixaram, como se com força irresistível os atraísse o espectáculo que via.
Era a época de mais intensa vida nas granjas. Os cereais, cobrindo as eiras, lourejavam aos raios desanuviados do sol; carros, a vergarem sob o fardo das colheitas, transpunham lentos as portas patentes do quinteiro, chiando estridorosamente; apinhavam-se além em montes as canas e o folhelho de milho, restos de recentes descamisadas; longas séries de medas elevavam-se mais longe, à maneira de tendas em um arraial de campanha; juntas de bois, já livres do jugo, repousavam das fadigas daqueles dias de azáfama, ruminando em sossego; os moços da lavoura iam e vinham, atarefados em diversos misteres, e de tudo isto erguia-se um clamor de trabalho, que o sossego dos campos e a serenidade do dia deixavam chegar distinto até o alto da colina.

"Os Fidalgos da Casa Mourisca", Júlio Dinis

(Júlio Dinis nasceu no dia 14 de Novembro de 1839. Morrem em 1871.)

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