A arte é uma profissão de eleitos: só depois de uma seleção natural, em que os fracos e os medíocres se anulam, prevalecem no tempo, em reduzido número, os predestinados, únicos que atingem à honra suprema de artistas.
Ser artista; produzir uma obra-prima; criar com o belo existente o belo que não existe; fixar para sempre um aspecto novo de beleza que se não repetirá; avançar do seu tempo, do seu século, abrindo largas estradas ao pensamento futuro; para os Gregos era divino, é heroico na expressão de Carlyle.
Pelo infinito desconhecido que idealiza, a arte pode ser também uma religião. Atenas sonhou agrupar em torno à sua beleza simples e serena o planeta escravizado; venceu-a - fatalidades do progresso humano - o frio e austero direito de Roma. A Renascença retomou-lhe o sonho: gregos ressurrectos, iludindo a vigilância católica, organizavam a vitória, servindo-se da Igreja como instrumento e fazendo dos papas adeptos da fé comum, empreiteiros universais do trabalho intelectual e monopolizadores em grosso da produção artística do mundo.
A nota trágica, dava-a a fogueira, queimando os rebeldes à nova crença. Aviventou-lhe as chamas o inestético Savonarola...
Tempo febril! Brabante imaginava Partenons grandiosos para um Cristo Olímpico. Miguel Ângelo descobria no apocalíptico Juízo Final simples motivos estéticos de nu, e o seu Moisés podia ser o Posêidon do templo de Pœstum. Cellini feria, matava, com a mesma coragem genial e arrojada que distendia o braço de Perseu vencedor. Flagelo de príncipes, Aretino gozava magnífico o alto preço dos seus editoriais. A agonia de Júlio II foi loucura de Pigmalião, por esvair-se-lhe o sonho de arte. Desenterravam-se as diabas brancas com o religioso carinho secreto dos apóstolos no cenáculo, certificando-se da Ressurreição. O Vaticano era uma vasta hospedaria de modelos, um entreposto de beleza animada. Felizes das que então nasciam com um pescoço alongado em linhas perfeitas ou um colo em curvatura serena, dignos do pincel de Sanzio!
"Heroísmo e Arte", Gregório da Fonseca
(Gregório da Fonseca nasceu no dia 17 de Novembro de 1875. Morreu em 1934.)
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