Comera fartamente, a corcunda deformando o dorso. Depois, sentando-se, acendeu o cachimbo. Disse, a voz pairando no ar como uma lástima: "Eu não posso sair, ficarei aqui durante muitos anos." Calou-se, sacudindo a cabeça como um tonteado, embuçado no solilóquio que se revelava pelo cochicho dos lábios. Paulino Duarte, alegre por encontrar alguém que lhe fizesse companhia, ouvindo o latejar das próprias têmporas, julgou fosse ele um pouco doido. Perguntou-lhe: "Mas, como foi isso? De onde vem seu conhecimento com meu pai? Por que Juca Pinheiro nunca me falou nisso?" Ele interrompeu: "Espere, espere, eu conto." E, já na sala, trajando uma roupa enxuta que Paulino Duarte lhe emprestara, a luz empalidecendo o seu rosto como se fosse de cera e um escultor o houvesse feito naquela hora, começou a narrar a sua história. Paulino Duarte não o interrompeu uma única vez.
- Coisas existem, na nossa vida, infalíveis como a própria morte. Tarde ou cedo, acabam por chegar um dia. Precisamos aguardá-las com insensibilidade, quase com desprezo, para vencê-las ou por elas sermos vencidos. A desgraça que me esperava era uma coisa assim. Eu sabia que ela chegaria. Juro, pela minha honra, que sabia. Aguardei-a, prevenido, dizendo a mim mesmo, aconselhando-me naqueles ermos de Duas Barras: "O difícil, Emílio velho, não é vencer, o difícil é saber fracassar."
"Os Servos da Morte", Adonias Filho
(Adonias Filho nasceu no dia 27 de Novembro de 1915. Morreu em 1990.)
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