Se há um consenso nacional é este: de presidente da câmara para cima,
os nossos políticos são todos doutores. Doutores ou engenheiros, mas
doutor engloba tudo, porque dá muito mais jeito e outro sainete. E como
gostam eles de ser doutores, mesmo que não sejam. E como gostam eles que
lhes chamem doutores, e nunca se desmancham. E como gostam eles de se
tratarem uns aos outros por "ó doutor", naquele mundo que é só deles e
de onde não conseguem sair. E, ipso facto, o primeiro nome deles fica a ser Doutor, não há volta a dar.
Mas
conheci um que destoava, e apenas um. Uma honrosa excepção, de que hoje
me lembrei, nem sei bem porquê. Para que conste, chama-se João Soares,
tem 62 anos, é ex-eurodeputado, ex-presidente da Câmara Municipal de
Lisboa, ex-candidato à liderança do PS contra José Sócrates, deputado à
Assembleia da República e presidente da Assembleia Parlamentar da
Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
Às
vezes, por dever de ofício, tive de lidar com a fauna política. E quando
contactei João Soares com o, achava eu, indispensável "senhor doutor"
na ponta da língua, levei logo para tabaco (se não me engano, o assunto
até era mesmo esse, tabaco). "Não me chame doutor, eu não sou doutor",
interrompeu-me ele, para princípio de conversa. Fiquei à rasca. - Ó
diabo, já fiz merda. O gajo será engenheiro? Professor doutor? Professor
doutor arquitecto? - pensei. E disse: - Mas se não lhe chamo doutor,
então como é que eu o trato, senhor doutor?
A resposta que então
recebi, e que me serviu de emenda daí para a frente, foi exactamente
esta: - João. Trate-me por João. É o meu nome.
(Escrevi e publiquei este texto no dia 1 de Fevereiro de 2012. O João agora é ministro.)
Ainda há Gente assim. Mas são poucos, muito poucos. Grande abraço Hernâni.
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