sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Apolinário Porto-Alegre 2

Era no dia 14 de julho.
O sol cambava. O raio do crepúsculo, círio que vela um ataúde, lambia a face da Terra. Expressão de agonia, lampejo precursor da morte, ia deitar-se o pai da natureza.
Quem então o visse diria que buscava o leito de descanso, numa sepultura imensa como ele próprio, às profundezas do infinito. O cenário sobre que pairamos não recendia menos tristeza.
Eram os campos de Vacaria.
Ao norte o rio Pelotas arquejava, descontando, febrilmente, um réquiem, ao sul o Taquari o acompanhava em notas não menos lúgubres; de um lado o lombro verde-negro da serra Geral, interceptando o horizonte; do outro o Mato Português, cuja respiração simulava o paroxismo cruel de leviatãs que estrebucham. O teto - o céu, cujas fímbrias eram as brumas alvacentas de leve coloridas.
Ajuntai o efeito dos troncos quase desnudos de roupas em pé no lusco-fusco da tarde, fantasmas dos séculos estendendo longos e musculosos braços para todas as direções, sacudindo, ao sopro do pálido arrebol, as barbas grisalhas e venerandas, ajuntai mais o mio, ora profundo e cavernoso da onça, ora estrídulo e agudo da jaguatirica, o solfejo áspero e atroador do itanha, o piar agoureiro das corujas, o bramido do minuano que fazia ranger os estípites e galhada da selva, que revolvia os capinzais como oceanos, e tereis o quadro senão completo, em miniatura ao menos.


"O Vaqueano", Apolinário Porto-Alegre

(Apolinário Porto-Alegre nasceu no dia 29 de Agosto de 1844. Morreu em 1904.)

Sem comentários:

Enviar um comentário