O trem bufou, entre cansado e contente, diminuindo a marcha. Deixei para um lado a revista, levantei-me, estirando os músculos. Alto da Serra. Sanduíche e café. Ou maçãs. Ganhei a plataforma, empurrado por gente com pressa, fim de semana de pequenos empregados, castigo de nervos para velhos jogadores, ainda esperançosos de arrebentar os cassinos do Gonzaga ou da Ilha Porchat. Uma criança passa-me por entre as pernas, com o salto imprevisto que dou, ao surpreendê-la quase embaixo de mim.
- Vem cá, Zequinha!
Aplicam-lhe uma palmada injusta, que o garoto não sente, já de olhos arregalados num baleiro. Mocinhas alvoroçadas que vão ver o mar compram revistas de cinema e de rádio.
- Olha o Orlando Silva como ficou ótimo. Que amor de voz, não?
Um homem que vinha quase a correr, cavaleiro andante a equilibrar uma xícara de café para a bem-amada, dá-me um encontrão, o café se perde, peço desculpas, ele pede também, sorrimos com esse ar superior dos homens civilizados que às vezes vão no sábado a Santos. Um outro come tranqüilo o seu sanduíche de queijo, com o ar e a roupa de quem não almoçou antes do embarque. Não tivera tempo, era muito caro o restaurante do trem. Chego ao café. Está apinhado. Vinte a trinta passageiros se abalroam junto ao balcão, gritando, pedindo sanduíches ou fatias de pão-de-ló (feitos com o Fermento Rochedo são muito mais saborosos e tenros). Há braços estendidos, já com a mercadoria na mão: tabletes de chocolate, maçãs, pacotinhos de balas.
"Omelete em Bombaim", Orígenes Lessa
(Orígenes Lessa nasceu no dia 12 de Julho de 1903. Morreu em 1986.)
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