Os dias passavam no Barro Branco numa sucessão rápida e descuidada, ao passo que se operava a conformação necessária do tempo e que as distrações incessantes do campo tomavam a atenção de Paulo. E percebendo que lhe voltava a serenidade e a paz, mais se absorvia nas diversões simples da vida da roça, que o tinham valido. Ele, que sempre fora um desatento à natureza, nessa inconsciência espantada das crianças inteligentes que vêem e ouvem, mas sentem apenas exteriormente a representação da própria curiosidade e imaginação, era agora quase um epicurista sutil, a retirar de cada aspecto da natureza - pedra, águas, árvore, ninhos, casa rústica, ou paisagem - uma multidão de observações felizes, logo da primeira impressão transformadas em imagens tumultuosas... Constante nesse vezo irreprimível de trocar a percepção das coisas sentidas em representação adequada ou fantasiosa, comparava-se, e aos artistas, a moedeiros obcecados que onde encontrem uma cintilação de ouro, no minério, na escória, na pepita, são levados a cunhar a medalha nítida e perfeita que lhe dará o circular e viver para o gozo humano. Muitas vezes, saindo para o campo, armado de espingarda e de petrechos de caça, e volvendo sem ter dado um tiro, nem se lembrando, mesmo ao acaso, de acordar um eco na floresta, ele se dizia pago dessas horas de excursão, enlameado embora, ou arranhado de espinhos, pois caçara imagens, vendo, contemplando, divagando...
"A Esfinge", Afrânio Peixoto
(Afrânio Peixoto nasceu no dia 17 de Dezembro de 1876. Morreu em 1947.)
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