terça-feira, 24 de abril de 2012

O meu tio Al Pacino

Foto Tarrenego!

Eu tenho um tio que se parece com o Al Pacino quando o Al Pacino parece bem. O meu tio Zé de Basto não é actor e nunca foi a Hollywood. É um mestre pedreiro de mão cheia, arte que herdou do pai, o meu avô Bernardino, e tentou duas vezes a emigração, em Inglaterra e em França, mas não se deu. As saudades matavam-no. Saudades da mulher, a querida tia Margarida, do sino da igreja de Passos, das leiras suadas mas generosas, da comida feita à lareira, dos amigos do peito, de uns tiros às perdizes, de umas boas malgas de vinho verde e sobretudo dos filhos, duas "moças" e dois "moços" que lhe enchem o coração.
Eu e o meu tio Zé de Basto, que trato por você e a quem peço a bênção, fazemos pouca diferença de idade. Ainda fomos parceiros de aventuras durante os dias das férias grandes que eu, em miúdo, passava na aldeia. Ele era já um rapazola. E juntos éramos um desastre.
Foi o meu tio quem me ensinou a andar de mota de pau, o que correu muito bem e até nem lhe deu grande trabalho, porque, se não sabem ficam agora a saber, nas motas de pau não se anda, cai-se. E eu nasci para aquilo: era trambolhão de criar bicho.
O meu tio largava-me carreiro abaixo e ao fim de dois metros eu já tinha deixado a mota para trás, enrodilhado em séries de espectaculares e descontrolados vira-cus que só acabavam lá no fundo da ribanceira, com as costas espetadas numa árvore e a mota a cair-me em cima e em cheio, de rodas para o ar, a girarem, a girarem, como nos filmes...
Eu punha-me a pé no meio de uma nuvem de pó, zonzo, pronto a chorar, com a boca cheia de sangue e de terra, os joelhos a discutirem com os cotovelos quem é que estava mais esfolado, e o meu tio só se ria lá de cima. O que é que eu havia de fazer? Ria-me também. Vinham buscar a mota para o local de partida e lá ia eu outra vez de cangalhas até bater na árvore que já me conhecia de ginjeira, e quando íamos dois ainda era pior.

O Al Pacino não conhece o meu tio Zé de Basto. Calha bem, porque o meu tio Zé de Basto também não conhece o Al Pacino. Por aí, estão ela por ela. Onde o meu tio fica a ganhar ao americano é no alambique. Exactamente. O meu tio tinha um extraordinário alambique, onde queimava o vinho estragado da vizinhança, e fazia uma aguardente tão medonha que era um sucesso. As autoridades fecharam-lhe o alambique. Acho que mais do que uma vez. E sendo certo que, no seu tempo, Al Pacino também não destilava nada mal, a verdade é que não me consta que tivesse um alambique.
Ao contrário do outro Al Pacino, o meu tio Zé de Basto nunca ganhou um Óscar. Mas merece o Nobel. Foi ele quem inventou uma talhadura de infalibilidade papal para curar bebedeiras, sejam elas de que tamanho forem. O revolucionário método, experimentado e comprovado pelo meu próprio tio, consiste basicamente em arriar as calças e chapinar o traseiro na água fresca de uma levada. A versão urbana, descartado o uso do rio Douro ou do oceano Atlântico, por questões de segurança, passará inevitavelmente pelo bidé, devendo juntar-se gelo à água do cano, para recriar as condições naturais do tratamento original. E é remédio santo.

O meu tio Zé de Basto é um homem geralmente feliz, às vezes austero e honrado sempre. Teve sorte com os filhos que tem. Ele e eu também somos compadres, baptizei-lhe o rapaz mais velho: é "o nosso Nane" como eu. E é como compadres que gostamos de nos abraçar, "Eeehhh compaaaaaaaadre!!!...", com umas valentes palmadas no lombo, quando nos reencontramos. E eu gosto muito de abraçar o meu tio Al Pacino.

(Publiquei este texto em 15 de Outubro de 2011. Junto-lhe hoje esta foto.)

9 comentários:

  1. Nesta foto etas com o Al Pacino de Basto? Tenho algumas fotos antigas que vao ser tambem engraçadas certamente para os teus textos!
    Abraço Miguel

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    1. Agradeço, mas "isto" obedece a uma agenda muito própria. Quando eu precisar, e se não tiver no meu arquivo, peço. Obrigado. E obrigado pela visita e pelo comentário.

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    2. Embora na possua nenhuma Torre do Tombo, tenho acesso ao teu arquivo de Arqt. Marques da Silva, e , entao, se precisares ja sabes a chave é sempre tua.
      Abraço Miguel

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  2. Hernâni, eu sou mais de fotografar que de ler. Leio e releio tudo o que tem a ver com a minha paixão fotográfica e, de quando em vez, leio, dito de outra maneira, tento ler, um ou outro livro, que me dizem ser bom. Deve ser defeito meu, porque passadas algumas dúzias de páginas já estou entediado e nunca mais lhe pego.
    Quando houver em Portugal um pingo só que seja, de justiça e um Livro teu chegar ao prelo, serei dos primeiros a comprar, para ler de uma assentada, pese embora o facto, de já conhecer parte das tuas Fantásticas e reais Histórias de Vida.
    Grande abraço de Parabéns.
    Gaspar de Jesus

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  3. Naninho, continuas imparável e cada vez mais apurado! Vai trabalhando para o tal livro! Abraço compadreeee!

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