Uma vez tive a sorte de falar com o Dr. Corino de Andrade.
Mário Corino da Costa Andrade (1906-2005) foi médico, investigador e
humanista, uma das figuras de proa da neurologia portuguesa do século
XX. Foi o cientista que descobriu a paramiloidose, ou doença dos
pezinhos, identificada nos meios académicos e clínicos, a nível mundial,
como doença de Andrade ou Corino-Andrade. Fundou, com Nuno Grande, o
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto.
Corino
de Andrade tinha então uns belíssimos 87 anos, em impecável estado de
conservação e conversação. Estava farto de "chatices", isso sim.
Incomodavam-no a paráfrase, a elaboração escusada, as repetições. "A
gente deve reduzir ao mínimo o que tem para dizer, e dizer só as coisas
fundamentais, ou que assim nos pareçam, e que possam ajuntar qualquer
coisa ao já dito", explicou-me.
Aliciaram-no para que escrevesse
as suas memórias. Recusou, era "uma chatice". A lisonja, a ele,
batia-lhe com o nariz na porta. Disse-me: "Não quero homenagem nenhuma,
Deus me livre! Eu tenho horror, uma espécie de alergia urticária contra
as homenagens. É uma chatice. O excesso de homenagens em Portugal é um
mau sintoma".
Entusiasmado pelo singularidade daquele encontro,
não segurei em mim que não fizesse uma das perguntas mais estúpidas da
minha vida: "Mas o senhor doutor deve estar orgulhoso por ter descoberto
uma doença, por ver o seu nome ligado a essa doença, não é?"
"Não,
meu caro senhor, não é", atalhou mansamente o Dr. Corino de Andrade,
com a paciência dos sábios, para imediatamente me martelar pelo chão
abaixo, como quem não quer a coisa: "Seria um orgulho muito grande ter o
meu nome ligado a uma cura, isso era, mas tê-lo ligado a uma doença...
essa é que é a maior chatice".
O Dr. Corino era diferente, não era?
(Publiquei este texto no dia 7 de Julho de 2011, então com o título "E por falar em peneirentos", na sequência de um outro, dedicado a Fernando Nobre. Apaguei-o sem querer, aqui o reponho.)
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