Fui muitas vezes à merda. E gostava. A minha avó Emília mandava-me, com uma telha, à procura de poios de bosta, que depois servia para selar o forno onde ela cozia a broa. Eu passava sempre uma temporada das férias grandes na aldeia e ir à merda era o meu modesto contributo para que tivéssemos pão à mesa. Isso e, às vezes, ir à fonte buscar água.
A minha avó Emília, que era pequenina e bondosa com um anjo, e era um anjo, fazia uma broa escura, muito saborosa, que se mantinha fresca durante dias e dias. Naquele tempo, o pão era o principal alimento dos portugueses. O pão e o vinho, como fazia questão de frisar, de forma propositadamente ambígua, a propaganda salazarista. Na casa da minha avó Emília, que era a do avô Bernardino, também era assim. Podia faltar tudo, e às vezes faltava, mas havia sempre broa com fartura e umas imensas malgas de "americano" às quais eu gostava de mandar umas pescoçadas até dizer ahhhh!
Eram tempos de penúria. Como os de hoje. Passaram mais de 40 anos e eu gostava que isto estivesse melhor, palavra de honra. Gostava que tivéssemos um governo que não se esquecesse que o País tem pessoas dentro. Gostava que Pedro Passos Coelho e Paulo Portas percebessem que não se pode salvar o País desmantelando a sociedade. Gostava que Vítor Gaspar chegasse rapidamente à conclusão de que o País não é uma equação abstracta, é uma realidade concreta. Gostava que o Passos, o Portas e o Gaspar entendessem que Portugal só tem futuro se continuar a haver portugueses. Gostava que o Passos, o Portas e o Gaspar parassem de tirar o pão da boca dos mais desfavorecidos. Gostava que eles fizessem exactamente o contrário, que contribuíssem com alguma coisinha para a mesa dos pobres. Enfim, gostava que eles fossem à merda.
Sem telha...
ResponderEliminarj.
Em rigor, meu caro j., a telha (que eu e o meu amigo dizemos mesmo telha e não talha)servia apenas de recipiente para o transporte. Era à mão que os bovinos cagalhões eram apanhados. E frescos.
ResponderEliminarCaro Hernâni Von ...
ResponderEliminarQual o "mais velho" que não se lembra da célebre frase que Salazar espalhou por todo o país - " beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses " ?
Quanto ao resto, eu, ainda que contrariado, fui à merda vezes sem conta. Não, não era para o forno de cozer o pão, que esse, minguava muito lá em casa, mas para que minha mãe que Deus tem, adicionasse água e um pó escuro que ia buscar ao Monte Caulino (morava-mos na Sra da Hora), e com essa argamassa fizesse umas bolas, que depois de secas ao sol, eram o carvão dos pobres.
Já com a merda dos políticos, não vale a pena perder tempo, até porque, já fedem a merda que tolhem.
Abraço
Gaspar de Jesus
Vida difícil, caro Gaspar...
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