Entreguei a urina para análise. O técnico, sem sequer olhar para mim, automaticamente, perguntou:
- Está fresca? Trouxe do frigorífico?
E eu fui franco:
- Não. Fiz há pouco, ainda vem quentinha.
- É pena...
Com gestos elegantes, competentes, o técnico pegou no boião e verteu o seu conteúdo num balão de pé alto, com o cuidado milimétrico de deixar o copo um pouco abaixo de meio cheio. E disse, ainda sem me pôr os olhos:
- Espere aí um bocadinho, que já leva os resultados.
E eu esperei, todo contente com a novidade.
Delicadamente, o técnico pegou no copo pela base, afastando-o de si com todo o respeito, e começou a girá-lo vagarosamente, olhando a bom olhar o seu conteúdo, no contraste com a parede branca. E tomou notas. Colocou o copo sobre a mesa e rodou-o em pequenos círculos, primeiro devagar, depois acelerando, para finalmente o levar ao nariz, uma vez, duas vezes. Inalou, compenetradíssimo, e tomou notas. Sorveu uma pequena quantidade de líquido, mantendo-o na boca sem engolir, apreciou-o por momentos com todo o profissionalismo e finalmente cuspiu-o. E compilou as notas:
- Muito bem. Ora, portanto, cor amarela palha, aspecto límpido, reacção a 6,0 e densidade a 1,013. Proteínas, glicose, corpos cetónicos, pigmentos biliares, nitritos e sangue não detectáveis. Urobilinogénico a 0,2 e atenção a esses leucócitos! Estão de 10 a 25, vá ver isso! Células epiteliais e eritrócitos, 0 a 2.
E eu, à rasca:
- Está no gozo, não está?...
- Não. É a sério! - respondeu-me o técnico, fitando-me enfim olhos nos olhos e passando a explicar:
- Então você não me conhece? Nunca me viu na televisão? Eu sou, era, um famoso provador de vinhos, mas a empresa mandou-me embora ao fim de 25 anos de trabalho, para meter lá um recém-licenciado, a 500 euros/mês e recibo verde. Aqui no laboratório, os aparelhos de análises à urina deram o peido mestre, com sua licença, dizem que também não há dinheiro para mais, respondi ao anúncio e, olhe, é a vida, juntou-se a fome com a vontade de comer...
- De comer? Mas também faz análises a fezes?...
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