quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Coelho Neto 6

A sala clareou de jato e a luz forte do gás, esbatendo-se no jardim, como que ainda mais lhe adensou as sombras crepusculares. Cesário passou a mão pela calva e, espreguiçando-se, bocejou estrondosamente:
- Diabo! Estou com uma famosa courbature. Dobrou-se para trás, com as mãos nos rins e, firmando-se, estendeu o braço para a chama loura do gás: Bem andou Jeová criando a luz antes de mais nada. Entanto há na sua grande obra alguma coisa anterior ao Fiat... a avareza, por exemplo... que dizes? Essa claridade entra-nos pelos olhos e vai até o mais fundo do cérebro como o sol atravessando os vidros de uma claraboia. E ainda há luz lá fora.
Lançou o olhar ao exterior e, voltando-se:
- Dize, que tal achas o pensamento que um dia procurei apertar em um soneto? e avançando com grandes gestos dramáticos, foi até a porta e levantou os olhos para o céu de opala: Ouve lá, não está em metro ainda. Digo-te a coisa como a recebi do gênio. A cena do soneto simples, tristonha: um crepúsculo. Eu digo então: Expira o sol! e atirou o braço esticado para o teto. Expira o sol... e Deus!... arma no céu um catafalco: a noite, trazendo para cirial do morto o plenilúnio. Que te parece? indagou e, fitando-o com grandes olhos: Mas que tens, homem? Estou aqui a falar-te como Apuleio aos bárbaros. Que tens? Jorge caminhava ao longo da sala, de mãos para as costas, parando, de instante a instante, para ouvir o "filósofo". Que tens?

"Inverno em Flor", Coelho Neto

(Coelho Neto nasceu no dia 21 de Fevereiro de 1864. Morreu em 1934.)

Sem comentários:

Enviar um comentário