quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Um largo, uma avenida e dois talhos

Não sei quantos talhos há actualmente em Fafe, mas devem ser muitos e certamente vendem de tudo, ovos, azeite, queijo, vinho, peixe congelado, feijão, ananás enlatado, bebidas frescas, raspadinhas e talvez carne. Os talhos são todos assim, hoje em dia, lojas de conveniência. Tempos modernos. Antigamente os talhos eram talhos, instituições de referência, barómetro e reflexo do nível de vida local, raros e valiosos como ourivesarias. O Talho tem lugar cativo, especial, nas minhas memórias fafenses cheias de antonomásias. O talho era o Talho, o largo era o Largo e a avenida era a Avenida, não havia que enganar, toda a gente sabia que aqueles nomes eram intransmissíveis e também geografia. O centro do mundo era ali.
O Talho. No Largo, à beira do Fernando da Sede e do Foto Jóia, o talho à moda antiga Talho Novo, que era o nosso talho e, para nós, como se fosse único, mas não, havia ali perto também o Talho Avenida, do Tininho, ou dos do Souto, como então se dizia, e nem tenho a certeza se este se chamava mesmo assim, Talho Avenida, mas era na Avenida, logo no princípio, quem saía do Largo em direcção à Estação, com o Monumento pelas costas, do lado e antes do Café Avenida e quase em frente ao Martins da Avenida, portanto, estão a ver, o mais certo é que também fosse da Avenida, e se calhar nem era. Mas adiante. Quando a minha mãe me mandava à fressura, "um quarto", eu tinha de escalar a parede de quatro metros e meio de altura do balcão para pendurar-me na borda e ser visto lá em cima. E é curioso: quase sessenta anos passados, ainda guardo bem vivas as caras daquela boa gente, que me atendia tão bem, como se eu fosse grande, como se eu fosse rico, como se eu fosse ao bife, respeitando com reserva e elegância a nossa pobreza. Caras a que, tenho pena, não sei agora dar nomes, com excepção do Senhor Abreu e, evidentemente, do Senhor Órfo, o Talho em pessoa, mas isso aqui já é outra história...

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