O
boleto é uma ordem oficial escrita que requisita alojamento para
militares numa casa particular ou o próprio alojamento assim conseguido.
É também salvo-conduto, a parte superior do carril sobre o qual rolam
comboios e eléctricos, um género de cogumelos comestíveis e a
articulação da perna do cavalo acima da ranilha, dizem uns, ou acima da
quartela, dizem outros. No Brasil, boleto é ainda papelinho de aposta
nas corridas de cavalos, registo de dados de uma operação bolsista,
bilhete de acesso a espectáculos e similares ou impresso de
factura-recibo.
Posto isto, que não interessa para nada, mudemos de assunto. Falemos de uma coisa completamente diferente. Falemos do boleto.
O
boleto que, pelo menos aqui há uns anos e em Fafe, era praticado pelas
bandas de música e consistia numa módica quantia em dinheiro vivo que o
contramestre da filarmónica distribuía pelos músicos provavelmente a
título de ajuda de custo ou, talvez melhor dizendo, como subsídio de
alimentação - o que salvava o dia sobretudo aos jovens aprendizes, que
passeavam muito bem a farda e faziam número na procissão mas "ainda não
ganhavam".
De
uma certa maneira, o boleto era também uma das peças do concerto. Enfim,
uma bagatela, como lhe chamariam os românticos. Peça curta e
despretensiosa mas de sucesso garantido, faço questão de acrescentar,
para contar tudo como deve ser contado. Se não parecesse um rematado
disparate, suponho até que seriam os próprios músicos a pedir bis. O
dinheiro saía em notas puídas e renitentes de um gordo envelope cada vez
mais magro e era entregue em mão, uma mão atrás da outra, no dia mesmo
da "festa", em pleno coreto, com o povo ao redor, durante um intervalo
que desse jeito.
Posso ter inventado esta memória, mas cuido que o mais das vezes o bodo
era repartido já da parte da tarde do "serviço". E que se segue? Não sei
porquê (sei, sei!), a minha cabeça começou então a ligar boleto a
merenda, vinho, como se fossem palavras sinónimas, e até hoje. Boleto
igual a merenda, vinho. Exactamente. Merenda ao "balcão" de uma barraca
beduína, periclitante e malcheirosa, espécie de estendal armado às três
pancadas entre varas de choupo e toldos de pano, com bacalhau frito,
orelheira salgada, frango de churrasco, milhões de moscas e sardinhas
assadas que eram uma desgraça. Uma desgraça bem bebida, afogada em tinto
ou branco até ao nariz.
Vinho, como quem diz. Bastas ocasiões bebia-se "receita", isto é,
juntava-se cerveja e açúcar ao alegado vinho para disfarçar o pique a
vinagre...
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