O Reigrilo
tinha uma burra que se chamava a burra do Reigrilo. O Reigrilo era tão
teimoso como a burra, portuguesa e analfabeta, mas bebia muito mais. Eu
nunca na vida vi o Reigrilo sóbrio. A sorte dele, quando saía do tasco
do Paredes em adiantado estado de fermentação, era exactamente a
burra, que o levava a casa,
submissa e em piloto automático, debaixo de um chorrilho de insultos e
chibatadas absolutamente imerecidas. Eu tinha medo do vinho do Reigrilo
e a burra parecia que também.
Creio não cometer nenhum erro
histórico se afirmar que a burra do Reigrilo só fazia frente ao dono
pelos "16 de Maio", na corrida que nunca era. O Reigrilo, altamente
decilitrado, aparecia sempre, para incómodo da organização e gáudio da
populaça. Podiam dar a partida quantas vezes quisessem: a burra do
Reigrilo não saía do sítio, apesar das bordoadas impiedosas que
apanhava, e se se mexia era apenas para deitar o dono de cangalhas, uma
e outra vez, numa vingança anual e certamente bem amadurecida, ali
mesmo à frente de todos, onde a humilhação do homem podia ser maior.
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