Rômulo
Era verão, era de tardezinha,
um de nós cantou uma música de Tom Jobim
Falando em verão, em tardezinha. O sol caiu no mar,
aquela luz lá embaixo se acendeu, descemos da Barra
pra Copacabana e fomos ver o show da Gal cantando
deixa sangrar.
Fazia calor, vestíamos inteirinhos de branco,
acreditávamos nas coisas dum jeito que seria tolo
se não fosse tão verdadeiro. E tão bonito
(a gente nem sabia, mas tudo era simples
e nossa dor não era quase nada.)
Dia seguinte, menti que ia morrer e você foi embora estudar acupuntura
Eu fiquei, viajei, tomei droga,
fui preso, escrevi coisas,
fiz análise, cortei o cabelo.
Gozado é que não morri.
Quem morreu foi você, agora, de verdade e de repente
a dor que dói é mais real que aquela
e tanto que não sei se resisto ou compreendo ou me entonteço ou nada sinto
neste buraco branco em algum lugar da minha alma (se é que a temos)onde ainda
deixo sangrar.
Éramos-tão-jovens-tudo-é-tão-estúpido-são-tantas-perdas,
dizer o quê? ninguém nos avisou que seria desse jeito.
Desavisados, vamos em frente, Rômulo.
Enquanto você morrer, outros enlouquecem, outros bebem
outros escrevem coisas insensatas, perdem o emprego, têm filhos,
são presos, cortam os pulsos, dão gritos ou mastigam em silêncio
esses verões, as tardezinhas que se perderam.
Éramos tão limpos, éramos tão claros. Faz quase dez anos
Os jornais da manhã me comunicam a tua morte,
mas não me comunicam a minha.
Caio Fernando Abreu
(Caio Fernando Abreu nasceu no dia 12 de Setembro de 1948. Morreu em 1996.)
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