sexta-feira, 8 de maio de 2020

Entre a bonomia e a filhadaputice

Uma vez eu era chefe e um chefe mais chefe do que eu telefonou-me, de Lisboa evidentemente, a reclamar que era preciso "foder" uma certa e determinada pessoa de quem eu era chefe, mas menos, no Porto. Eu disse que não. Que não "fodia". E expliquei-lhe. Primeiro porque não se "fodem" pessoas, ainda que fossem incertas e indeterminadas; segundo porque eu não "fodo" ninguém, por uma questão de princípio e suspeito que também de religião; terceiro porque eu resolveria facilmente o assunto sem "foder" um camarada, isso é que é liderança e competência; quarto porque eu não admitiria nem mais uma sugestão, insinuação sequer, daquele género.
O chefe que era mais chefe do que eu e estava evidentemente em Lisboa, comunista medalhado e, foi-se a ver, especialista em despedimentos colectivos, acusou-me de bonomia, enquanto baixava a crista e metia o rabo entre as pernas, tanto quanto me deu para ver pelo teclado nojento do velho telefone. Bonomia, eu? Fiquei "fodido". Fui ao dicionário e afinal achei muito bem.

P.S. - Publicado originalmente no dia 7 de Agosto de 2019. O jornal 24horas nasceu em 1998 e morreu em 2010, um ano depois de os seus alegados responsáveis terem liquidado a Redacção do Porto, a sangue frio e pelas costas. Eram os primeiros dias de Maio quando nos despejaram no desemprego, e podem limpar as mãos à parede. Mas tinha piada o pasquim, que até chegou a ser bem feito, e é a bíblia do jornalismo que hoje se faz em Portugal.

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