Poema de Caeiro a fingir-se de Ofélia
Nandinho, como é isso de pensar,
e nada mais fazes do que pensar que não pensas,
que sou eu um fantasma à Campos ou à Reis ou à quem não sei quem,
que tu julgas reais e te dominam ou tu dominas e finges,
e não vês que sou eu a real de sapato de laço e cabelo de trança,
e tanto gosto de ti que a tudo trocaria por sapato de trança e cabelo de laço,
tu ideia me fazes de real só para um dia te pores em verso ou prosa
de pobre apaixonado empregadinho dum escritório da Baixa
com sua apaixonada empregadinha,
acorda, homem, que sou eu viva e um dia te arrependes de me teres mentido
para viver um sonho, coisa pior que vinho prà saúde,
será que vou ficar velha sem tu seres jamais novo,
então rompe comigo, talvez aí acordes,
e tanta pena como eu tenho, Nandinho,
de só teres pés para as nuvens e não para as calçadas tão fortes, vivas e alegres
quer a Câmara as limpe ou não limpe ou faça chuva ou sol,
tristes só
se por ti morre Ofélia sem tu por mim viveres.
"Do Agostinho em Torno do Pessoa", Agostinho da Silva
(Agostinho da Silva nasceu no dia 13 de Fevereiro de 1906. Morreu em 1994.)
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