De manhã, quando os silvos das fábricas sobressaltavam todos os lares, Madalena ia encostar-se ao postigo, no beco do Mirante.
Era um beco triste que assustava o sol. Subia em socalcos a encosta pedregosa, ladeada por paredes que vestiam luto e portas baixas que semelhavam buracos. Silencioso e sombrio, tinha ao alto, sobre rochas tisnadas, uma velha oliveira que manchava de cinzento o azul do céu. Naquele beco a vida estiolava.
Madalena via passar, ao fundo, as antigas companheiras, que lhe acenavam de fugida e seguiam caminho a lamentá-la:
- Tão magra que está!
- Coitada. Aquela não deita fora o Inverno.
E ela ficava a ouvir-lhes o sussurro das vozes e a recordar o tempo em que também era tecedeira. Depois, dava os bons-dias à velhota sua amiga, que, manca-não-manca, passava sempre atrasada.
- Tás melhor?
- Obrigada, Ti Rosa. Prà semana talvez já vá consigo.
Assim dizia há muito tempo, desde que o primeiro escarro lhe avermelhara o lenço. Mas os dias somavam meses − e as melhoras eram como o sol de Inverno.
"Esteiros", Soeiro Pereira Gomes
(Soeiro Pereira Gomes nasceu no dia 14 de Abril de 1909. Morreu e 1949.)
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