Com uma rosa no fundo da cabeça
Com uma rosa no fundo da cabeça, que maneira obscura
 de morte. O perfume a sangue à volta da camisa
 fria, a boca cheia de ar, a memória
 ecoando com as vozes
 de agora. Onde está sentada brilha de tantas
 moléculas
 vivas, tanto hidrogénio, tanta seda escorregadia dos ombros
 para baixo. Toca em
 de onde rompe a rosa. Uma criança
 luciferina. A mãe fechava,
 abria em torno a torrente dos átomos
 sobre a cara. Aquilo que a estrangula dos pulmões
 à garganta
 é a rosa infundida. Leva um braço às costas,
 suando, raiando
 pelo sono fora. Está queimada onde lhe toca. Falaria alto
 se o peso a enterrasse à altura das vozes.
 Via a matéria radiosa de que é feito o mundo.
 A língua doce de leite,
 a mão direita na massa agre, o sexo banhado
 no manancial secreto.
 O dom que transtorna a criança ardente é leve como
 a respiração, leve como
 a agonia.
 Uma rosa no fundo da cabeça.
"Última Ciência", Herberto Helder 
(Herberto Helder nasceu no dia 23 de Novembro de 1930. Morreu no dia 23 de Março de 2015.)
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