domingo, 2 de dezembro de 2018

Em palhas deitado 6

O Minho cheira a Natal
O Minho cheira a Natal, sabiam? O Alentejo e Trás-os-Montes decerto também cheiram, as Beiras e o Ribatejo lá terão os seus aromas, mas a mim o que me interessa é o meu Minho. E por estes dias o Minho cheira a Natal. Ao Natal antigo, já posso dizê-lo. Os últimos lavradores do Minho fazem fogueiras nos campos como fizeram os seus pais e os pais dos seus pais, queimando folhas secas e gravetos velhos, emprestando ao ar um perfume doce de lareira. De lar. Dá uma vontade tola de abrir a janela do carro, largar a cabeça ao frio e fechar os olhos. E abro e largo e fecho. Sou pendura, não sei conduzir, vamos em segurança.
(A memória também vem ao cheiro: a querida avó, pequerricha, resmungona e bondosa, aquecendo o vinho na infusa fanada que tem dentro uma maçã acabadinha de assar no borralho; o fumo das giestas molhadas e que ainda assim ajudam a espertar o braseiro; os malabarismos a toque de caixa do testo da velha chocolateira esbordante de café que era cevada; a garrafa de aguardente do avô que bastava aliviar-lhe a rolha para logo sarar constipações e até unhas encravadas; a luz bailarina da candeia fazendo filmes mudos nas paredes da cozinha, negras de fumo e do luto da vida; e a canela. Sim, as queimadas agrícolas de Dezembro, no Minho, são temperadas com canela. Que ninguém me diga o contrário.)
De novo na estrada, o fumo, os fumos, aqui, ali, mais adiante. O fumo acinteza o verde que cresce ao abandono e as leiras lavradas e cada vez mais raras, mas não entristece. O fumo aconchega-nos, abraça-nos, obriga-nos a abraçarmo-nos. Por causa do fumo, o céu é mais baixo, estamos mais perto do Céu, estamos mais perto uns dos outros, e apetece-nos inspirar a plenos pulmões a ver se conseguimos guardar este fumo e este cheiro, esta paz, para o resto do ano, para o resto da vida. Foi assim numa quinta-feira, primeiro dia do mês de Dezembro de 2011.
Tornara ao Minho. A um sítio que já então visitava muito raramente, porque cotão no bolso não paga contas. E voltava lá, quando podia, não porque a cozinha fosse superlativa (posto que continuava de uma honestidade a toda a prova), mas porque me afeiçoei àquela gente para quem nós éramos, somos, também amigos, quase da família. Fazem-nos sempre uma grande festa, a mim e à minha mulher, cobrem-nos de mimos e só lamentam que as nossas visitas sejam tão espaçadas. Nós também.
A surpresa foi que, no cafezinho ao lado, à porta do qual, depois de almoço, gosto de sentar-me para fumar a minha cachimbada e beber o meu CRF em balão previamente aquecido, enquanto descanso os olhos e a alma na visão das serranias que não digo e me deito a adivinhar os desenhos das nuvens, também havia saudades. E ali só dizíamos bom dia e boa tarde. E obrigado e até à próxima. Mas dizíamos.
O certo é que dois clientes habituais, povo da terra - um dos seus 40 anos, outro já da chamada terceira idade -, vieram ter connosco, inesperadamente, primeiro um e depois o outro, para nos dizerem que a nossa falta tinha sido notada: "Já cá não vêm há muito! Têm de aparecer mais vezes! Gostamos de os ter cá!"...
Não sei se é do cheiro do Minho. Não sei se é do fumo. Mas este povo é bom. É bom como não há. Também já não há cachimbo nem CRF em balão previmente aquecido. Resta-nos o Natal, é certo, e, por falar em fumos, a legalização da canábis para, por assim dizer, fins medicinais...

Fruta da época
Perguntaram-lhe sobre frutas da época, e ela respondeu ferrero rocher e mon chéri...

Sem comentários:

Enviar um comentário