Mal se sumiram, Aldrovando abancou-se à velha mesinha de trabalho e deu começo à tarefa de lançar dedicatórias num certo número de exemplares destinados à crítica. Abriu o primeiro, e estava já a escrever o nome de Rui Barbosa, quando seus olhos deram com a horrenda cinca: "Daquele que sabe-me as dores".- Deus do Céu! Será possível?!
Era possível. Era fato. Naquele, como em todos os exemplares da edição, lá estava, no hediondo relevo da dedicatória a Frei Luís de Sousa, o horripilantíssimo "que sabe-me"...
Aldrovando não murmurou palavra. De olhos muito abertos, no rosto uma estranha marca de dor - dor gramatical, inda não descrita nos livros de patologia - permaneceu imóvel uns momentos.
Depois, empalideceu. Levou as mãos ao abdômen e estorceu-se nas garras de repentina e violentíssima ânsia. Ergueu os olhos para Frei Luís de Sousa e murmurou:
- Luís! Luís! Lamma sabachtani!
E morreu.
De quê? Não sabemos, nem importa ao caso. O que importa é proclamarmos aos quatro ventos que com Aldrovando morreu o primeiro santo da gramática, o mártir número um da colocação dos pronomes.
Paz à sua alma.
"O colocador de pronomes", Monteiro Lobato
(Monteiro Lobato nasceu no dia 18 de Abril de 1882. Morreu em 1948.)
Sem comentários:
Enviar um comentário