sexta-feira, 6 de abril de 2018

Almada Negreiros 6

A taça de chá

O luar desmaiava mais ainda uma máscara caída nas esteiras bordadas. E os bambus ao vento e os crisântemos nos jardins e as garças no tanque gemiam com ele e adivinharam-se o fim. Em roda tombavam-se adormecidos os ídolos coloridos e os dragões alados. E a gueixa, porcelana transparente como a casca de um ovo da íbis, enrodilhou-se num labirinto que nem os dragões dos deuses em dias de lágrimas. E os seu olhos rasgados, pérolas de Nanquim a desmaiar-se em água, confundiam-se cintilantes no luzidio das porcelanas.

Ele, num gesto último, fechou-lhe os lábios com as pontas dos dedos, e disse a finar-se: - chorar não é remédio; só te peço que não me atraiçoes enquanto o meu corpo for quente. Deixou a cabeça nas esteiras e ficou. E ela, num grito de garça, ergueu alto os braços a pedir o Céu para ele, e a saltitar foi pelos jardins a sacudir as mãos, que todos os que passavam olhavam para ela. 

Pela manhã vinham os vizinhos em bicos dos pés espreitar por entre os bambus, e todos viram acocorada a gueixa abanando o morto com um leque de marfim.

A estampa do pires é igual.

 Almada Negreiros 

(Almada Negreiros nasceu no dia 7 de Abril de 1893. Morreu em 1970.)

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