Caro Amigo
Caro Amigo,
Lembrei-me de te escrever hoje. Há que tempos, não é? Andei a mexer nas
gavetas, faço isso uma vez por ano, sei lá porquê, e no meio da papelada
encontrei meia dúzia de abraços antigos mas ainda em razoável estado de
conservação. É o que me resta. Acho que é uma pena deitá-los fora. Vou
mandar-te um. Espero que te sirva.
Melhores cumprimentos,
Haniceto.
Sensibilidade e bom senso
- É pá, pensava que já tinhas morrido...
O contador de anedotas
Levava um banquinho e sentava-se em Cima da Arcada, de guarda-sol, se
fosse o caso, e um caderninho de folhas quadriculadas, sempre. Via sair,
e tomava nota. Saíam do Mário da Louça, do Talho, da Caixa, do Martins
da Avenida, da Câmara, do Casinhas, da Senhora Eufémia, do Alfredo
Sapateiro, das Lobas, da Loja Nova, da Casa da Cera, dos Armazéns Cunha,
do Banco. Saíam, e ele registava. Analfabeto de nascença, utilizava a
técnica do Miguel Cantoneiro, ecumenicamente adaptada: uma cruzinha para
os como ele, uma cruz para os menos mal e um cruzeiro para os cagões
locais. À noite, em casa, depois da sopa e antes do terço, fazia a soma,
por escalões, e comparava com os dias anteriores, as contas todas
certinhas. Era um excelente contador de anedotas.
A mãe, o pai e o filho da mãe
A mãe: - Vai para casa da mamã!...
O filho: - Mas, ó mãe...
A mãe: - Vai chamar mãe a outra!
O filho: - Ó pai!
O pai: - Quê?
O filho: - Olhe a mãe...
O pai: - Era o que faltava...
Felicidade é coisa pouca e tudo
Vou a Oliveira de Azeméis, por exemplo, e levo uma data de "Ó jovem!",
geralmente dito por pessoas de bandeja na mão e com idade para serem, vá
lá, meus netos. Afino! Ai, se soubessem como eu afino!... Por outro
lado: vou a Fafe, por exemplo, e as pessoas, algumas com idade para
serem, vá lá, meus filhos, chamam-me "Meu rico menino!", e eu gosto.
Fico feliz da vida!... Quer-se dizer: todas as terras são por exemplo,
mas algumas são mais por exemplo do que outras. E neste particular,
deixem-me que vos diga, Fafe é, modéstia à parte, uma terra por
exemplíssimo...
Da profissão ao emprego vai semântica e não só
- Profissão?
- Jardineiro.
- Onde trabalha?
- Estou desempregado.
- Então porque disse que é jardineiro?
- Porque é a minha profissão.
- Mas eu perguntei-lhe...
- Perguntou-me pela profissão: sou jardineiro. Se me perguntasse pelo emprego: desempregado.
- Portanto, é ex-jardineiro...
- Não. Portanto, sou jardineiro. Ex-empregado.
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