Carolino, sempre!
O Naninho Carolino, que é solteiro militante e uma jóia de moço, é
Carolino por causa da avó, que era a Senhora Carolina, casada com o
extraordinário Zé de Castro, o nosso poeta cauteleiro, que uma vez
mandou a mulher para o hospital com uma sacholada na cabeça. De resto, o
Naninho até se chama Hernâni Ferreira Castro e é um dos heróicos
resistentes que vão mantendo viva a Associação Desportiva de Fafe, o seu
verdadeiro caso de amor. Lembro-me sempre do Naninho (a soprar pelo
canto da boca ao peidinho do penteado) quando a problemática é arroz.
Carolino ou agulha, eis a questão, e eu não percebo onde é que está a
dúvida.
Tomem nota, antes de mais, desta pescadinha de rabo na boca: o arroz
carolino é um produto português, nado e criado nos estuários dos rios
Sado, Tejo e Mondego, e Portugal é auto-suficiente na produção de arroz
carolino. Já o arroz agulha é de origem asiática, quase todo importado.
Não vou entrar em contradição com o que já escrevi, não tenho nada
contra o que é estrangeiro, sobretudo se for melhor. Mas a verdade é
que, se todos comêssemos do nosso arroz, e nós comemos arroz que nem
chineses, dávamos um bom empurrão aos produtores nacionais e até podia
ser que o preço ao consumidor baixasse.
Mas, patriotismos à parte, o fundamental é que o carolino é o arroz
ideal para os pratos tradicionais da cozinha portuguesa. Com uma
cozedura a exigir mais acompanhamento, é certo, mas mais cremoso e
aveludado na calda final, e absorvendo melhor os condimentos e os
paladares dos outros ingredientes, o carolino é a base indispensável
para os nossos mais deliciosos arrozes, os malandros: do arroz de polvo
ao arroz de tomate, do arroz de marisco ao arroz de bacalhau, do arroz
de feijão ao arroz de peixe, do arroz de grelos ao arroz de cabidela, do
etc. ao etc.
Quanto ao agulha, é absolutamente recomendado para quem não sabe cozinhar (por exemplo, os novíssimos chefs
do arroz de atum, de lata, que lata!) ou, como agora se diz, para quem
não tem tempo para estar na cozinha, que é a mesma coisa.
Portanto: carolino, sempre! E um grande abraço para o Naninho.
P.S. - Publicado originalmente no dia 29 de Setembro de 2011.
Apetecia-me bater-lhes...
Deixei passar umas horas, para não dizerem que reagi a quente. Pensei
bem no assunto, pesei os prós e os contras, medi os assim assins e os
vice versas. Estou calmo e consciente das dramáticas consequências que
este meu texto pode vir a provocar a nível nacional e internacional, mas
há alturas na vida de um homem em que um homem tem que ser homem, venha
quem vier, doa a quem doer e chova o que chover. As polémicas a mim não
me assustam, antes pelo contrário. E eu vi. Eu estava lá e vi, com
estes dois que hão-se ser cremados. Vi um jovem casal a comer bacalhau
assado na brasa com batatas fritas. Batatas fritas, estão a perceber?
Batatas fritas! Perante tão dantesco espectáculo, tenho ou não tenho
direito à minha dose de indignação? Pois é claro que tenho, muito
obrigado.
Fui aí a um sítio que faz o melhor bacalhau assado de Portugal e,
portanto, do mundo. É servido com batata cozida (é claro), coberto com
cebola e azeitonas e generosamente regado com um azeite e alho tão
extraordinário que só apetece dar banho ao pão. Para cumprir todos os
meus cânones, falta-lhe o ovo cozido, é certo, mas esta é uma falha que
eu relevo com todo o gosto.
Na mesa ao lado, o jovem casal também estava no bacalhau. Acompanhado
por cerveja, uma a dividir pelos dois, logo no berço do alvarinho e do
trajadura. Eu ia perdendo o apetite! Mas o pior ainda estava para vir. E
veio: uma travessa de batatas fritas, porque as cozidas não lhes
serviam - ficaram todas - ou então nunca tal tinham visto.
Ainda pensei desculpá-los. "Está bem, são espanhóis (não consegui sequer
considerá-los galegos, era doloroso demais para mim), estes tipos não
percebem nada disto". Mas não desculpei. E é preciso que se note que eu
sou pela livre escolha. Para mim, cada um come do que gosta. Mas há
comportamentos que, por escandalosos, devem ser guardados para o recato
do lar. Eu próprio já comi bacalhau assado com feijoada à transmontana,
mas foi em casa de amigos. Nunca por nunca o faria em público. Haja
decoro! Para além do mais, gastronomicamente falando, a feijoada com o
bacalhau na brasa é uma extravagância, enquanto que a batata frita não
passa de uma indigência.
Apetecia-me bater-lhes. E ia bater-lhes, mas
reparei que um cliente, três ou quatro mesas à minha frente, estava a
sentir-se indisposto, com a mulher já a pé, amparando-o e implorando
auxílio com os olhos. Esqueci o resto. Vi ali a oportunidade por que
esperei toda a minha vida. Pousei os talheres, cheio de classe, e
preparava-me para levantar-me, ainda com mais classe, quando um atrevido
se me antecipou pela direita e se dirigiu à senhora, de forma calma e
discreta, dizendo exactamente o que eu ia dizer:
- Desculpe, eu sou médico. Então o que é que se passa? Posso ajudar?
Usurpador de merda! Apetecia-me bater-lhe. Aquela frase era minha.
Minha! Aos anos que ando a ensaiar, a ver filmes e séries. Eu diria aquilo muito melhor. A
única vantagem do gajo é que era médico...
P.S. - Publicado originalmente no dia 3 de Outubro de 2011.
Sem comentários:
Enviar um comentário