Foi mais ou menos assim que o pequeno Muriçoca, pálido, trêmulo, gaguejando, contou ao delegado distrital, doutor Arruda, depois de tomar um copo de água numa única e febril virada:
- Parei na entrada da construção por causa da chuva. Fiquei lá um tempo e então subi as escadas.
- Por que subiu?
- À procura de emprego, doutor. Estou sempre tentando.
- Você mora numa casa de cômodos perto da obra. Não sabia que está paralisada há muito tempo?
A pergunta agiu como uma prensa: hesitante, Muriçoca pareceu ainda menor e mais desamparado na delegacia. Olhou para o copo vazio sobre a mesa, suplicando mais água. Aquilo era medo.
- Sabia ou não sabia? - exigiu Lima, o investigador que acompanhava o depoimento.
- Sabia - confirmou o rapaz, juntando os punhos, culposamente à espera das algemas.
- Para que então pretendia pedir emprego numa obra abandonada? - perguntou o delegado.
- Ouvi um rádio lá em cima.
"Um Cadáver Ouve Rádio", Marcos Rey
(Marcos Rey, pseudónimo de Edmundo Donato, nasceu no dia 17 de Fevereiro de 1925. Morreu em 1999.)
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