Sempre gostei de me deitar no chão. Desde pequeninho. O Verão em Fafe era um forno, e a nossa mãe punha-nos a dormir a sesta no chão da casa, não no chão estreme mas por cima de um cobertor fininho e fofo, e dormíamos como anjos de barriguinha ao léu. Porque o ar rasteiro é mais fresquinho, está provado cientificamente, e a nossa mãe sabia também disso, embora nunca tivesse ouvido falar de correntes de convecções, fluidos, átomos ou moléculas.
Habituei-me. Sempre que pude na vida, dormi a minha soneca no chão do campo, do monte e até da praia, se pela fresca da manhã. Casei e fui morar para a Foz, no Porto: a casa dos meus sogros tinha um quintal-jardim que era um mimo, e era ali que eu me estendia, no cimento do caminho ou na relva do coradoiro, em tardes e noites de suar em bica. Depois bebia uma ou duas garrafas de espadal frigorificadas e já estava em condições de ir para a cama...
Agora. Agora custa-me a deitar, ainda por cima no chão, que é tão longe, e preciso de um guindaste para me levantar. Mas não resisto: de vez em quando dá-me para a toléria - é a idade - e, em quatro ou cinco movimentos muito complicados e perigosos, às vezes doze, consigo deitar-me no chão da sala, com a televisão ligada só para que o som me faça companhia. Às tantas a minha mulher entra, assusta-se e grita: - Ai, meu Deus, que ele morreu!...
E eu, de olhos fechados e mãos cruzadas sobre o peito: - Morri, o caralho! Estou apenas deitado no chão...
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