sexta-feira, 11 de julho de 2014

Orígenes Lessa 2

Todos os dias aquela miséria... Maria Rosa estava de pé às cinco da manhã. Havia que pôr a casa em ordem, arrumar a sala de aulas, preparar o café, lavar os pequenos, vesti-los, passar roupa - "tenho um serviço de negra!" - e acordar o marido.
Era o mais difícil.

- Por que não deita mais cedo, seu tranca? Fica lendo feito idiota até não sei que horas, ou dando prosa com esses vagabundos, e depois, quando tem que fazer alguma coisa, pega no sono que nem Cristo acorda!
E resmungando e imprecando, vassourão aqui, pano molhado ali - "não mexa aí, menino!" -, Maria Rosa continuava a peleja.
- Parece que eu caí da cadeira no dia em que fiquei noiva desse coisa-à-toa! Pra ter esta vida! Pra passar vergonha!
Arrumou uma toalhinha de crochê no aparador humilde.
- Largue esse copo, Joãozinho! Largue já! Largue, estou dizendo!
E, ameaçadora, para o garoto lambudo que sorria feliz:
- Menino! Menino! Ponha já o copo na mesa! Olhe o que estou dizendo!
O pequeno continuava a negacear com o corpo, o copo muito sujo, uma das mãos mergulhadas na água.
- Não molhe o chão, criatura! A gente vive feito uma burra, tentando limpar a casa, vem um coisinha desses emporcalha tudo! Você apanha, Joãozinho! Traga o copo aqui!
- Eu quelia bebê água!
- Não quer beber coisa nenhuma! Você quer é chinelo! Venha cá!
- A senhóia bate na gente!
- Não bato! Venha aqui direitinho, me entregue o copo, que a mamãe não bate.

- Eu sei que a senhóia bate!
- Não me enjerize, criatura! Você apanha já...
- Eu não disse? A sinhóia qué é batê na ge
nte...

"O Feijão e o Sonho", Orígenes Lessa

(Orígenes Lessa nasceu no dia 12 de Julho de 1903. Morreu em 1986.)

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