segunda-feira, 18 de março de 2019

Augusto Abelaira 6

Que vou eu escrever - eu, a quem nada neste mundo obriga a escrever? Eu, antecipadamente sabedor da inutilidade das linhas que neste momento ainda não redigi, dentro de alguns minutos (de alguns anos) finalmente redigidas?  Não sei: folheio ao acaso a página cento e quinze do meu caderno, ainda branca, ainda parda, e pergunto-me: daqui a dois, a três, a quatro meses, quando a alcançar - se a alcançar -, terei escrito uns milhares de palavras. Que palavras? E fico perturbado, muito mais perturbado por essa página do que por esta, já  em parte azulada e vazia de surpresas. Como saber se nela, hoje e durante um ou dois meses ainda branca, branca e situada no futuro, embora um futuro espacial, eu não contarei (não terei contado) coisas de cortar o coração? Sobre mim. Ou sobre o mundo, uma guerra, a vitória completa do fascismo, por exemplo.

"Bolor", Augusto Abelaira

(Augusto Abelaira nasceu no dia 18 de Março de 1926. Morreu em 2003.)

Sem comentários:

Enviar um comentário