Levava um banquinho e sentava-se em Cima da Arcada, de guarda-sol aberto, se fosse o caso, e um caderninho de folhas quadriculadas, sempre. Espertava os olhos cansados, via sair, e tomava nota. Saíam do Mário da Louça, do Damião Monteiro, do Café Império, do Foto Jóia, do Talho, da Caixa, do Martins da Avenida, do Rabeca, da Câmara, da Juditinha, do Sanica, do Casinhas, da Senhora Eufémia, do Américo das Bicicletas, do Alfredo Sapateiro, das Lobas, do Club, da Pacata, da Loja Nova, da Casa da Cera, dos Armazéns Cunha, do Banco. Saíam, e ele registava, mão trémula porém infalível. Analfabeto de nascença, utilizava a técnica do Miguel Cantoneiro, ecumenicamente adaptada: uma cruzinha para os pobres e desiludidos como ele, uma cruz para os menos mal da vida e um cruzeiro para a dúzia e meia de cagões locais. À noite, em casa, depois da sopa e antes do terço, fazia a soma, por escalões, comparava com os dias anteriores, as contas todas certinhas, noves fora nada, anotava as variáveis e arquivava tudo no saco de serapilheira debaixo da cama. Chamavam-lhe o Vigilante. Talvez vigilante da natureza. Da natureza humana. Diziam que ele era doudo, para o que lhe havia de dar, ser contador de pessoas. Ele dizia que era contador de anedotas...
P.S. - Publicado originalmente no dia 29 de Outubro de 2017, sob o título "O velho contador de anedotas". Hoje, 2 de Fevereiro, é Dia Nacional do Vigilante da Natureza e Dia Mundial das Zonas Húmidas.
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