Passaram-se dois dias. Num jardim fronteiro à praia de Matosinhos, um jovem casal gozava o sol de Inverno e aproveitava para ensinar a filhita a andar de bicicleta. O pai acompanhava a menina, dando-lhe as instruções elementares, mas a mãe sentou-se. Sentou-se, abriu a bolsa, rapou de um pequeno embrulho que eu primeiro não distingui e, com a agilidade de um experimentado bonecreiro, começou a bater-se com quatro-agulhas-quatro, tantas quantas são precisas para tricotar meias de lã. Era o que ela fazia, uma meia. E percebi.
Percebi que isto não é só gosto, moda ou revivalismo. É sobretudo precisão. Voltámos ao pior do tempo antigo. O Portugal democrático, da Europa, das auto-estradas, das universidades e do século XXI é afinal igual ao Portugal fascista e "orgulhosamente só", poeirento e obscurantista do tempo em que a minha mãe, por necessidade, fazia todas as minhas camisolas e as camisolas dos meus irmãos. (E que categoria que elas eram! Tenho uma comigo vai para quarenta anos, acreditam?)
Por outro lado, lembrei-me, pode estar exactamente aqui a salvação do País. Permitam-me que lance o desafio: porque não transformar o tricô num desígnio nacional? Porque não começarmos todos a fazer malha para fora? Porque não pôr este país de desempregados e falidos a dar ao dedo de norte a sul e ilhas, elas e eles, e apostar na internacionalização e exportação em barda das nossas peças de lã? Sim, porque não? Afinal, o que é que as natas e os pastéis de Belém são mais do que os barretes, os camisolões, os carapins e os coturnos genuinamente made in Portugal?
P.S. - Publicado originalmente no dia 25 de Janeiro de 2012. Hoje, 12 de Junho, é Dia Internacional ou Mundial de Tricotar em Público. Palavra de honra!
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