No monte de São Jorge havia um pionono. E constava que havia outro no  monte de Castelhão.
 Fui testemunha de ambos, embora o segundo possa jamais ter existido. O 
pionono, para mim, era uma espécie de meco que ajudava  montes de pouca 
monta a porem-se em bicos de pés, a chegarem-se a uma  certa altura, a 
uma altura  certa, a um número redondo que desse jeito falar. Quero 
dizer: era uma  espécie de sapato de salto alto para caga-tacos 
complexados, porém ao contrário, com o tacão virado para cima e usado na
 cabeça. Depois tomei conhecimento  do Pio IX, mas nunca percebi a 
relação, e acho um insulto chamar-lhe marco  geodésico. Ao papa.
Assim com maiúscula, o Pionono era exactamente em São Jorge, é justo que
 se diga. Pionono era nome próprio, sítio, geografia. "Vou ao Pionono". 
 Ia-se ao Pionono. Ia-se aos pinheiros pelo Natal, ia-se aos fentos ou 
ao mato para o eido ou às giestas secas para espertar a lareira do chão 
da cozinha,  ia-se brincar aos cobóis, ia-se cagar ao monte e ia-se dar 
umas  trancadas, e o que eu gostava da palavra trancadas, mesmo sem conseguir  alcançar o que ela quereria dizer.
(As giestas também davam umas vassouras de categoria e o Trancadas era  
um barbeiro mesmo ao lado do tasco do Neca do Hotel, proximidade que se 
revelava de uma comodidade extrema. Por falar nisso, lembro-me de descer
 um degrauzinho, mais cá para o centro da vila, ali entre a  sombria 
loja da Rosindinha Catequista e a Cafelândia, mas esse era o Sr. António
 Grande, o segundo barbeiro do meu padrinho Américo. Eu ia lá com o meu 
 padrinho mais o meu tio Zé da Bomba, aos sábados de manhã, que naquele 
 tempo eram sempre de sol. Na espera lia-se "O Primeiro de Janeiro", mal
  eu sabia  que ainda o haveria de fazer. O meu padrinho Américo e o meu
 tio Zé da  Bomba eram irmãos do meu pai, o grande Lando Bomba, e depois
 foram meus  pais, à falta do propriamente dito, por razão de força 
maior.)
Hoje os montes de São Jorge e de Castelhão são casas e é o progresso. Os
 montes foram capados, terraplenados, desarborizados, alcatroados, 
liquidados. Os montes morreram de morte matada e a culpa morreu 
solteira. Fafe já não tem piononos. Mas, dizem-me, tem ainda a 
"Garrafinha" e  historiadores até dar com um pau. Um deles, quem dera 
que não chova,  ainda há-de contar esta como deve ser.
Só para que conste: pio-nono será a forma "correcta" de  escrever, se 
nos referirmos  ao meco. Mas pionono pode ser também nome de doce muito 
popular em  Espanha, na América Latina e nas Filipinas.
P.S. - Publicado originalmente no dia 16 de Setembro de 2012. Pio IX, que se chamava Giovanni
 Maria Mastai-Ferretti, foi eleito papa no dia 16 de Junho de 1846, 
iniciando o segundo maior pontificado da história da Igreja logo a 
seguir a São Pedro. E foi o primeiro papa a ser fotografado.
quarta-feira, 16 de junho de 2021
Fafe já não tem piononos
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