sexta-feira, 25 de junho de 2021

Aramis, o cão

O Aramis andava à solta no Parque da Cidade. Também por lá andavam os espreitas do costume, no miradouro do costume, equipados de perversão e binóculos mal disfarçados, à cata de parzinhos no marmelanço. Mas do que eu quero falar agora é do Aramis, um cão, bem bonito por sinal, de raça... grande, que se afastou da alçada da dona e resolveu começar a rondar-me primeiro, a ladrar-me depois, e a ameaçar abocanhar-me logo que lhe apetecesse.
Eu fiz o que pude, dadas as circunstâncias: acagacei-me até mais não, a bem dizer paralisei, ainda por cima passou-me pela cabeça que de repente se desemboscassem por detrás das árvores o Porthos, o Athos e até o d'Artagnan para ajudarem o Aramis e então é que eu me borrava todo. Uma vergonha.
Portanto era nisto que nós estávamos: eu ali à rasquíssima, nem para a frente nem para trás, e o estupor do cão (eu já disse que era bem bonito por sinal?) com a dentuça cada vez mais arreganhada e mais próxima dos meus ricos calcanhares. A dona bem chamava por ele, aflita, "Aramis, anda cá, Aramis, anda cá", foi assim que eu fiquei a saber o nome do animal, mas ele deixa-te estar que eu já te atendo.
"Desculpe, ele só quer brincar", aproximou-se de mim a dona, a ver se lhe punha a mão e é o pões. "Mas eu não, minha senhora", saiu-me numa vozinha de falsete e o coração quase que vinha atrás. Não consegui articular, mas eu tinha sérias dúvidas de que o cão estivesse informado de que só queria brincar.
Finalmente, num assomo de determinação e talvez desespero, a senhora gritou, dura, autoritária, "Aramis, anda já aqui à dona!", conferindo uma inflexão muito forte à palavra dona. E o cão acordeirou, deixou-se prender e levou um raspanete. Eu saí dali para fora logo que as minhas pernas me deixaram, dando graças a Deus por na verdade haver cães que conhecem o dono. A dona.
Agora, a minha ideia é esta: o Parque chega para todos, pessoas, cães e até outros animais mais ou menos selvagens, como, por exemplo, as bicicletas. Mas, tendo em vista uma convivência pacífica entre todas as espécies, impõe-se que alguém ande pela trela. Ou eles ou nós. A mim tanto me faz.

P.S. - Publicado originalmente no do 29 de Julho de 2011. O capitão dos Mosqueteiros d'Artagnan - que na realidade existiu, para além da ficção de Alexandre Dumas - morreu no dia 25 de Junho de 1673.

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